A tempestade que já vinha se anunciando no horizonte empresarial acabou se transformando em um tsunami, potencializado pela fácil e veloz transmissibilidade do Covid-19. A pandemia está transformando a vida das empresas e tirando o sono da grande maioria dos líderes empresariais.

Todos já conhecem os impactos e riscos que o avanço da doença representa para a economia e sustentabilidade financeira de muitas organizações. Entretanto, do ponto de vista das empresas, o coronavírus acelerou um processo de transformação tecnológica disruptiva, que já estava em curso e promovia severas alterações na natureza do modelo de negócios; no ritmo dos fatos empresariais; nas relações sociais e trabalhistas; na imprevisibilidade e volatilidade das situações; e nos espaços de trabalho — que passaram a ser muito mais fragmentados nos escritórios de co-working e, agora, na forma do home office.

Também estão mudando o conceito de resultado; a descartabilidade dos produtos e serviços; os hábitos de compra e consumo dos clientes; e a filosofia do compartilhamento, que começou a preponderar sobre a necessidade da posse de bens como, por exemplo, automóveis, imóveis, utensílios e equipamentos.

Como se esses fatores já não fossem suficientes, nenhuma transformação tem sido tão intensa quanto a do componente ‘liderança’, abrangendo perfil, competências, habilidades e atitudes que a crise está exigindo.
Mais do que nunca, está evidente que não existe um tipo ideal de liderança. O conceito da “Liderança Situacional”, surgido na década de 1970, merece ser revisitado nesse momento. Afinal, líderes brilhantes em tempos de abundância e crescimento da economia parecem perdidos no momento de restrição de recursos e de fragmentação da forma de trabalhar. Já os líderes centralizadores, tão criticados por acadêmicos e pessoas mais liberais, parecem assumir protagonismo na hora das duras decisões que precisam ser tomadas. Na contramão, lideres participativos, antes tão admirados, são percebidos como complacentes por não corresponderem à pressão do tempo e da velocidade com os quais precisam decidir e agir.

Muitas lideranças continuam apegadas a dogmas, princípios, ideias e práticas para uma realidade que já não existe mais. Além disso, está evidenciada uma grande discrepância entre discurso e prática. Em muitos casos, o coração continua preso ao passado e nostálgico, apesar das tentativas de usar uma linguagem modernizante.

A experiência de confinamento impõe questionamentos sem precedentes ao mundo corporativo. Como gerenciar equipes a distância? Como inspirar valores quando o acesso a todo tipo de informações parece ilimitado? Como educar filhos na era das fake news? Como conduzir a empresa quando praticamente todos os pilares foram postos abaixo? Como comandar a recuperação sob tamanha dose de incerteza, tanto em relação ao macro cenário político e econômico mundial e local, quanto sobre os novos desejos e necessidades dos consumidores?

Há apenas uma certeza: modelos ultrapassados não funcionam mais. Porém, novas formas de pensar e exercer liderança ainda não se fizeram presentes com a intensidade necessária. E os líderes não podem esperar. Precisam protagonizar o necessário turnaround, missão que exige urgentemente reflexão estratégica sobre o futuro do negócio e da empresa para o pós-Covid-19. Esse movimento deve ser orientado por um roteiro muito claro de agenda, objeto de profundo realinhamento, sinergia, integração e comprometimento entre acionistas, dirigentes e gestores da empresa. Essa reflexão estratégica é uma espécie de antessala do planejamento estratégico e precisa conter, pelo menos, dez pilares direcionadores, com desdobramento em todos os níveis:

1- Definição clara do propósito comum da empresa, unidade de negócio e/ou área funcional, capaz de inspirar as pessoas rumo ao futuro e posicionando a organização frente ao mercado;

2- Reequilíbrio econômico e financeiro da empresa, unidade de negócio e/ou área funcional, com definição clara sobre liquidez, endividamento, estrutura de capital, monetização de eventuais ativos, parcerias estratégicas, linhas de crédito e financiamento, entre outros aspectos;

3- Gestão dos riscos tributários, fiscais, políticos, comerciais, ambientais, trabalhistas e patrimoniais;

4- Identificação dos clientes que a empresa se propõe a servir, com clareza sobre novos nichos, mercados, produtos e serviços decorrentes das oportunidades geradas pela crise;

5- Orientações claras sobre os resultados desejados, tanto os quantitativos (rentabilidade, faturamento e valuation), quanto os qualitativos (imagem, satisfação de clientes e colaboradores);

6- Competências necessárias para cumprir esses resultados;

7- Mapa de atitudes desejadas e indesejadas, em torno do sistema de valores e cultura da empresa;

8- Prioridades no curto prazo, para o fechamento deste ano, e no médio prazo, para os exercícios de 2021 e 2022;

9- Plano de ação para executar a estratégia e as prioridades, com responsáveis e prazos;

10- Estrutura organizacional e governança necessária para a operação do negócio.

Será necessária muita coragem, determinação, perseverança, velocidade e paixão para engajar as equipes nas mudanças necessárias. Dado esse contexto, cabem alguns versos, inicialmente atribuídos ao poeta Fernando Pessoa, mas, que, na realidade, são do saudoso professor de Literatura Fernando Andrade:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
que já têm a forma do nosso corpo
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

Não é hora de o líder se esconder e ficar à margem de si mesmo. Chegou a hora de assumir o protagonismo, inovar e liderar pelo exemplo. É preciso se transformar para ser um agente da transformação que sua empresa necessita e que o momento exige!

César Souza é fundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em estratégia empresarial, desenvolvimento de líderes e na estruturação de innovation hubs. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige”