Há vários anos empresas proclamam que adotam os princípios da meritocracia para reconhecer e promover os profissionais de melhor performance. No mundo administrativo, esse é um conceito da segunda metade do século passado. Portanto, com tanto tempo de aplicação, eu convido as empresas a demonstrarem como, digamos, nos últimos dez anos, a meritocracia tem contribuído para a evolução da ascensão de mulheres e negros nos cargos de direção.

Afinal, se vivemos em um país onde as mulheres são mais de 50% da população e têm amplo acesso à educação, o que explica não alcançarem postos de liderança nas empresas na mesma proporção? Nem mesmo nas empresas de serviços, nas quais elas são, inclusive, maioria? Nem mesmo nas empresas de cosméticos, segmento no qual as mulheres detêm notório saber?

A resposta para essas perguntas é óbvia. Um grupo dominante cria as condições para perpetuar seu domínio. No caso, nós, os homens brancos. No passado, ainda deviam ser bem nascidos e bem criados. Hoje, já há mais espaço para ascensão, mas dentro do padrão dominante: homens brancos. 

Em 20 anos atuando como jornalista de negócios, prestador de serviços e consultor para inúmeras empresas, me deparei apenas uma vez com uma mulher no cargo de CEO. É claro que pelo noticiário constatei que existem mais. Seguramente menos de 10 entre as 100 maiores empresas do Brasil. Um número totalmente desproporcional.

Quando a análise migra do recorte de gênero para o de raça, a situação é ainda mais evidente. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, 53% da população brasileira se declarou negra ou parda em 2014. Já a presença de negros e pardos no comando das empresas brasileiras é ínfima. Novamente, na minha experiência, conheci apenas um CEO negro em 20 anos de trabalho. Seguramente, não há rigor metodológico nessa amostragem, mas a percepção é irrefutável. É mais fácil encontrar um tigre albino em São Paulo do que um negro no comando de uma grande empresa brasileira.

Não existe meritocracia entre desiguais. Entenda-se: entre pessoas que têm acesso e oportunidades desiguais. É esta a situação quando falamos de equidade de gênero e raça no mundo corporativo, parte relevante do mercado de trabalho brasileiro.

A tal da meritocracia é um truque, uma armadilha criada para nos convencer de que vivemos numa sociedade igualitária. Na corrida por um lugar no topo da hierarquia de comando, dificilmente quem larga léguas atrás chega na frente. E, quando e se isso acontece, não serve como regra. É a exceção. 

A falácia da meritocracia, que hierarquiza pessoas nas empresas, faz com que mulheres, por exemplo, recusem-se a aceitar o estabelecimento de cota para romper a barreira de poder e ocupar lugares nos Conselhos de Administração das companhias no Brasil. Com isso, só retardam a oportunidade de derrubar preconceitos e abrir espaço para outras mulheres ascenderem, enriquecendo a forma de pensar e a tomada de decisão.

Ações afirmativas têm um valor simbólico. Eleito no ano passado, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau montou um gabinete igualitário, formado meio a meio por homens e mulheres. 

Cotas são mecanismos de transição. Não são um fim, mas um meio para se estabelecer um novo ambiente mais equilibrado e diverso. Afinal, jovens brancos (e incluo meus filhos nesta lista) já têm muitas oportunidades em nossa sociedade, não precisam monopolizar todas.

Tem sido assim nas universidades brasileiras, onde mais de 150 mil negros passaram a ter acesso ao ensino superior nas instituições federais nos últimos três anos. Tomara que em breve façam-se mais presentes no ambiente das grandes empresas e possam ser avaliados exclusivamente pela qualidade de sua contribuição ao trabalho coletivo.