24/06/2016 - 0:00
O mercado automobilístico da Grã-Bretanha (ilha que reúne Inglaterra, Escócia e País de Gales) é o sexto maior do mundo, praticamente do mesmo tamanho que o da Índia e um pouco maior que o do Brasil, o sétimo em volume de vendas. Em 2015, os britânicos compraram 3,005 milhões de automóveis de passeio e comerciais leves, um crescimento de 7,4% em relação ao ano anterior.
Para comparar, o Brasil vendeu 2,476 milhões de carros no ano passado (mas em 2014 havia superado a Grã-Bretanha por mais de 330 mil carros). Houve muita histeria depois que o Reino Unido, que inclui a Irlanda do Norte (em outra ilha, fazendo fronteira com a República da Irlanda), anunciou sua saída da Comunidade Europeia. Cheguei a ouvir ex-ministro Delfim Netto que “a Inglaterra vai se transformar num paisinho”. Será?
Pelo menos na parte que diz respeito à indústria automobilística, a Inglaterra não parece ser tão dependente da Europa como está se dizendo por aí. Em resumo: não vai faltar carro para os ingleses. E digo o porquê. Só no ano passado, os britânicos produziram mais de 1,6 milhão de carros. Desse total, cerca de 370 mil foram de marcas genuinamente inglesas, 480 mil de marcas americanas e 763 mil de marcas japonesas. Ou seja: nenhuma montadora europeia tem uma produção relevante no Reino Unido.
A alemã BMW é dona da Mini, que vendeu 181 mil carros na Europa no ano passado, mas estamos falando de um carro de nicho que é vendido no mundo inteiro. Se a Europa não quiser mais comprar Mini, o resto do mundo vai comprar (fora os próprios ingleses). A outra presença europeia é da também alemã Volkswagen, que vendeu 2,4 mil unidades dos modelos Bentley em todo o Velho Mundo.
Quanto aos japoneses, não têm nada a ver com a briga dos britânicos com os europeus. A Nissan tem uma fábrica gigante em Washington, no norte da Inglaterra, que bateu um recorde de 510,7 mil carros produzidos em 2012. De lá saem carros que toda a Europa ama, como os crossovers Qashqai (230 mil vendas), Juke (102 mil) e X-Trail (40 mil), além do monovolume Note (46 mil) e do elétrico Leaf (15 mil). No sul do país, em Burnaston, a Toyota produz o Auris (129 mil vendas na Europa) e o Avensis (33 mil). E em Swindon, pertinho de Londres, a Honda faz o Civic (43 mil vendas) e o CR-V (47 mil).
Outro dado interessante é que, embora a Escócia seja uma região industrial do Reino Unido, é na própria Inglaterra que se concentram as fábricas de automóveis. E uma das maiores delas é da americana General Motors, que fabrica cerca de 330 mil carros/ano com a marca Vauxhall (Opel no resto da Europa) na cidade de Luton. A outra é da Ford, que produz o Fiesta em Brentwood, Essex, a menos de 50 km de Londres. Pelo menos metade dos 313 mil Fiesta vendidos na Europa saem da fábrica inglesa (a outra fica em Colônia, na Alemanha). E o Fiesta ocupa atualmente o posto de terceiro carro mais vendido na Europa, com 106 mil emplacamentos de janeiro a abril, atrás apenas dos alemães VW Golf (178 mil) e Polo (109 mil).
Quanto às marcas britânicas, apenas 20% dos 180 mil modelos da Jaguar Land Rover vendidos na Europa (39,4 mil Jaguar e 140,6 mil Land Rover) vão para os países do Velho Mundo (exceto o Reino Unido). Podemos citar ainda 1,6 mil cobiçados Aston Martin, 828 esportivos Lotus e 586 caríssimos Rolls-Royce. Claro que as implicações econômicas da saída do Reino Unido da Comunidade Europeia são muito complexas. Por isso, Angela Merkel, do alto da sabedoria e do pragmatismo alemão, pediu para que as pessoas evitem conclusões “rápidas e simplistas”. Como a do professor Delfim, por exemplo.
Ora, paisinho a Inglaterra nunca vai ser! As pessoas continuarão loucas para visitar Londres, as músicas dos Beatles nunca vão sair da moda, a libertação europeia na Segunda Guerra Mundial jamais será esquecida e Tio Sam, por meio do presidente Barack Obama, já disse que a Inglaterra não perderá seu status de “parceiro indispensável”. Se faltar carro para os ingleses, com certeza os americanos darão um jeito de mandar alguns para a grande ilha europeia.