Está em curso uma das maiores aberrações continentais de que se tem notícia. A caótica Venezuela está a um passo de assumir a presidência do Mercosul, consagrando dessa maneira o modelo político/econômico que nos últimos tempos executou cidadãos nas ruas, cassou direitos e espalhou o caos social com a escassez de mantimentos e serviços básicos à sobrevivência de sua população. Como será possível tal cenário? O que os representantes dos países aliados planejam fazer para barrar o descalabro? Melhor seria a imediata convocação de uma espécie de plebiscito entre eles, nos moldes do Brexit, para varrer sumariamente a Venezuela do acordo.

Sua entrada na aliança, acertada de maneira espúria e ideológica por simpatizantes do bolivarismo, como o ex-presidente Lula, já foi por si só um grande equívoco diplomático. Conceder ao regime de Nicolás Maduro a primazia de comandar o bloco ultrapassaria o impensável e representaria um retrocesso em todos os sentidos. Sem o cumprimento de cláusulas democráticas mínimas, a Venezuela segue na contramão do desenvolvimento regional e, nessa toada de controle do poder na América Latina, ameaça levar os demais com ela.

Desde que foi aceita, a nação do petróleo não referendou sequer 45% das normas previstas aos integrantes do Mercosul. É, na essência, um sócio em condição irregular e legitimá-lo na presidência rotativa equivaleria a rasgar o protocolo de intenções e compromissos referendados pelos sócios. Fácil imaginar que a alternativa conta com a absoluta desaprovação dos empresários. Afinal, serão eles os grandes prejudicados. A Venezuela, como todos sabem, repudia qualquer possibilidade de acordo comercial ou aproximação estratégica com mercados por ela considerados imperialistas.

Enquadram-se na pecha os EUA e boa parte dos membros da União Europeia. Sob sua direção, as chances de sair negócios com a Aliança do Pacífico e com parceiros desenvolvidos se tornarão praticamente nulas. De maneira providencial e sensata, o chanceler brasileiro, José Serra, lidera com os argentinos um grupo de interlocutores que pede o adiamento da reunião de cúpula para a decisão. O prazo, até setembro pelo menos, serviria para que a Venezuela se adaptasse ou cumprisse os princípios mínimos previstos no protocolo do Mercosul.

Do contrário, defendem os idealizadores da proposta, Maduro e sua trupe deveriam abdicar do direito de liderança do bloco. Naturalmente, não é crível imaginar que em tão pouco tempo aquela economia entrará nos eixos. Como também são mínimas as chances de Maduro concordar com a sugestão. Restaria no cenário em curso a ruptura cabal – algo que, para o bem e sobrevivência desse mercado comum terá de acontecer mais cedo ou mais tarde. Do contrário, melhor será o Brasil pular fora o quanto antes e começar uma nova era de parcerias internacionais com quem realmente interessa.

(Nota publicada na Edição 975 da Revista Dinheiro)