24/07/2018 - 8:18
Entre a operação e a denúncia que o acusou por corrupção e lavagem de dinheiro na máfia da merenda em São Paulo, o deputado estadual Fernando Capez (PSDB) passou mais de dois anos dizendo ter sido vítima de uma “investigação direcionada” baseada em “delações sem provas”.
Após ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivarem a ação que corria na Justiça paulista, o tucano usa agora o caso como símbolo da sua nova bandeira política: a “regulação” das investigações e delações.
Ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Capez foi denunciado em janeiro pelo procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio, por supostamente ter recebido parte da propina de R$ 1,1 milhão que teria sido paga pela Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) para fraudar um contrato com o governo do Estado. O político foi citado na delação premiada do lobista Marcel Julio, apontado como operador do esquema.
Em maio, o Tribunal de Justiça aceitou a denúncia, mas, no mês seguinte, os ministros do STF Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski trancaram a ação a pedido da defesa alegando falta de provas e coação de testemunhas.
Após três mandatos seguidos na Assembleia Legislativa, o procurador de Justiça licenciado buscará uma cadeira na Câmara dos Deputados para tentar regulamentar a atividade que o fez despontar na vida pública. “É necessário regulamentar para evitar abusos e garantir que a investigação seja objetiva e impessoal.”
O sr. diz que a investigação foi direcionada. Por que e por quem?
A razão objetiva foi um indício que virou um pretexto. Tinha um servidor que havia trabalhado no meu gabinete e, segundo o delator, ligava do telefone fixo para perguntar como estava a licitação (da Coaf na Secretaria da Educação). Mas responsabilidade objetiva não existe em direito penal. Se não amanhã qualquer ministro que apronta, o presidente vira réu. Você tem de demonstrar qual foi a participação. O próprio servidor (Jeter Rodrigues) disse que eu não tinha nada a ver. Esse episódio deu a oportunidade para que aqueles que podiam tentar destruir a minha vida e carreira atuassem.
Quem são essas pessoas?
São pessoas com as quais eu convivi profissionalmente e nutriam em relação a mim algum tipo de paixão, ciúmes, inveja, raiva, ódio. Evidentemente, não vou apontar o nome dessas pessoas. Naquele momento eu era presidente da Assembleia e meu nome era lembrado como um dos possíveis quadros do partido para a eleição de governador.
Ainda assim, o procurador-geral de Justiça o denunciou por corrupção e lavagem de dinheiro.
Foi uma denúncia claramente inepta e qualificada pelo relator (no TJ) como fantasmagórica. Imputa lavagem de dinheiro e não diz quem, aonde, quando e como. Simplesmente lança a afirmação de forma irresponsável. Ele diz na denúncia que a cooperativa venceu a licitação. Isso mostra que ele nem sequer leu os autos, um erro crasso, porque ela perdeu a licitação. Afirma que, em razão de um servidor ter assinado um contrato de comissão com a cooperativa, eu recebi propina. Isso, na jurisprudência, é denominado salto mental.
Qual teria sido a motivação dele então ao oferecer a denúncia?
Eu diria que o Ministério Público se tornou refém do escândalo que ele mesmo provocou. Ele se viu sem condições políticas de recuar e arquivar o inquérito após tamanho alarido que ele provocou na imprensa. E este é um grande problema que surge quando se iniciam as investigações sem segurança de prova, se faz enorme escândalo com marketing pessoal e institucional e depois você fica refém daquela situação.
O sr. passou a condenar a delação agora que diz ter sido vítima de uma delas?
Como promotor de carreira e político eu defendo o instituto da delação premiada. Acho importante, porque ele é capaz de trazer para quem está investindo elementos que seriam inacessíveis. É instrumento útil de investigação. Mas o que ocorreu neste caso (máfia da merenda) mostra que, caso ela não seja regulamentada, há um potencial enorme para que agentes públicos e autoridades venham a distorcer a finalidade do instituto. Precisa ser aprimorado.
Que tipo de distorção?
No meu caso, uma delação que não imputava crime a minha pessoa, apenas a outros agentes. Tentaram transformar a colaboração em prova, mas ela é meio para produzir a prova e não a prova em si mesma. No momento que faz termo de colaboração a obrigação do colaborador é indicar os fatos e apresentar provas para demonstrar esses fatos. Se ele não apresentar, não existe colaboração. Durante esse momento o procedimento tem de ser sigiloso para proteger a identidade do colaborador, o interesse da investigação e a dignidade de quem foi acusado. Se nós não regularmos e cuidarmos da delação ela vai acabar sendo distorcida até que caia numa desmoralização total.
O sr. está defendendo um controle maior sobre a atuação dos promotores e procuradores?
Não. O controle poderia coibir a atividade investigatória. O Ministério Público tem de ter liberdade total de investigar. O que é necessário é regulamentação para que a investigação seja objetiva e impessoal. Todo aquele que detém poder sem controle tende a abusar do poder. E isso não significa manietar a investigação, mas regulamentá-la.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.