09/08/2018 - 21:57
Pela primeira vez, a Prefeitura de São Paulo estuda tornar públicos os e-mails internos de seus servidores. O anteprojeto da nova Política Municipal de Transparência e Dados Abertos do governo municipal, divulgado neste ano, prevê a publicidade das mensagens eletrônicas trocadas pelos servidores, perante termos a serem definidos pelo governo municipal. Todos os órgãos municipais, inclusive da administração direta, deverão obedecer às novas diretrizes. Há grande resistência por parte de todos os órgãos públicos no País em divulgar este tipo de informação.
Ainda sem uma legislação específica, o acesso a e-mails de servidores públicos vinha sendo vetado pelo governo municipal nos últimos meses. A discussão sobre o tema ganhou força depois da reportagem do jornal O Estado de S. Paulo tentar, sem sucesso, obter cópia das correspondências eletrônicas de diversos servidores públicos municipais, no fim de 2017. Em todos os casos, o governo alegou que não poderia informá-los, por razões diversas – sigilo nas mensagens, excesso de trabalho para ler todos os e-mails, entre outros.
A partir das solicitações da reportagem, todas feitas por meio da Lei de Acesso à Informação, o governo reagiu, produzindo dois pareceres jurídicos contrários a divulgação desses dados – um feito pela Controladoria Geral do Município e outro, pela Procuradoria Geral do Município (PGM). O mais recente foi produzido depois de a reportagem solicitar acesso a alguns e-mails da presidência de um órgão municipal.
“Não há dúvida de que, na falta de um regime claro a respeito, previamente definido, as informações privadas contidas em contas de correio eletrônico públicas devem ser consideradas como sujeitas ao sigilo de correspondência, nos termos da Constituição da República”, diz o parecer, assinado pela procuradora geral substituta Luciana Sant’ana Nardi.
O mesmo parecer, no entanto, reconhece a possibilidade de “regular tais caixas de correio para que as informações pudessem ser divulgadas indiscriminadamente, o que exigiria a criação de um regulamento de uso e a cientificação prévia do usuário de que todas as mensagens ali trocadas serão disponibilizadas para o acesso de todos.”
Recuo
O texto final do anteprojeto foi alterado para tornar mais rigorosa a liberação dos e-mails. No primeiro texto, divulgado no ano passado, o artigo 50 apontava que “e-mails de circulação interna enviados e recebidos por meio de endereço de correio eletrônico institucional poderão ser acessados via solicitação de informações”. Agora, a legislação em estudo prevê que a publicidade “será objeto de análise através dos respectivos Planos Setoriais de Transparência e Dados Abertos” – cada órgão público terá o seu, e o próprio órgão ser responsável por elaborá-lo.
O entendimento jurídico do governo federal atual sobre transparência de e-mails de servidores já foi na direção oposta ao apontado pela Prefeitura no documento, em alguns casos. O Ministério da Transparência, Fiscalização e a Controladoria-Geral da União (CGU) tem entendido, em parte de seus pareceres, que não pode haver um sigilo automático sobre o e-mail e que o sigilo constitucional das comunicações não se aplica a correspondência dos servidores públicos, “já que a garantia fundamental protege o cidadão do Estado, e não o contrário”, segundo aponta o ouvidor-geral da União Gilberto Waller Junior, em parecer deste ano. A recomendação do ministério e que seja analisado caso a caso, para identificar se existe ou não informação sigilosa dentro de cada um dos e-mails. Na prática, no entanto, praticamente todos os pedidos de informação por esses dados são negados.
Documentos pessoais
O anteprojeto do governo municipal também estabelece diretrizes mais claras sobre a possibilidade de divulgação de documentos que possam conter dados pessoais. O projeto aponta que fica “vedada a disponibilização a terceiros de dados e informações pessoais coletadas por entidades parceiras de qualquer órgão ou entidade municipal, incluindo a sua comercialização”, mas exclui do sigilo a disponibilização de informações relacionadas diretamente ao exercício da função pública – como reclamações no serviço 156, por exemplo. Neste caso, a Prefeitura estabeleceu que aplicará mecanismos de tornar anônimos os envolvidos, por meio de supressão de campos, linhas, colunas ou outros dados que possam revelar a identidade das pessoas envolvidas.
Nos EUA, e-mails públicos são alvo constante de reportagens
A lei de acesso à informação americana, chamada de Freedom of Information Act, permite que qualquer cidadão solicite dados públicos, inclusive do e-mail interno de servidores. A única exigência é a de que o pedido seja delimitado em um curto período de tempo, para que todos esses e-mails possam ser lidos e, se houver dados pessoais ou sigilosos, estes sejam retirados das mensagens antes de serem tornadas públicas.
O acesso a essas correspondência já gerou uma série de polêmicas na administração federal. No ano passado, o site The Intercept revelou que servidores da Immigration and Customs Enforcement (ICE), a fiscalização de imigração americana, fazia uma busca ativa por exemplos de imigrantes criminosos para “preencher” o discurso anti-imigração do presidente Trump. Isso só foi possível porque o e-mail desses servidores foi tornado público por meio de pedidos de informação feitos pelos jornalistas.
Veja nota da Prefeitura de São Paulo
“A Controladoria Geral do Município informa que a nova política de transparência está sendo tratada de forma participativa e aberta. Um exemplo são todos os pareceres e notas que constam no Portal da Transparência. O anteprojeto não tem previsão de passar pela Câmara, pois está sendo estudado como decreto.
A definição sobre o acesso aos e-mails funcionais, como destacado no Artigo 52, será precedida da elaboração dos Termos de Uso e do planejamento a ser incluído no Plano Setorial de Transparência e Dados Abertos. Os pedidos anteriores mencionados foram negados porque ainda não existe essa previsão.
Cabe destacar que as atas completas de todas as reuniões do Conselho Municipal de Acesso à Informação são publicadas no Portal da Transparência.”