Nos últimos tempos, a General Motors (GM) vive uma espécie de calvário com sucessivos recalls – o termo em inglês para a convocação de veículos para efetuar reparos por falhas detectadas que podem comprometer a segurança de quem esteja transportando. Somente neste ano, a empresa já convocou 31 recalls, envolvendo 13,8 milhões de veículos apenas nos Estados Unidos, segundo o The Wall Street Journal.

Nesta quinta-feira 5, Mary Barra, a presidente global, afirmou que a GM vai assumir toda a responsabilidade pelos consertos, e divulgou um plano de indenização de eventuais vítimas de falhas em seus modelos. Barra também afirmou que investigações internas revelaram uma verdadeira cadeia de ineficiência que potencializaram os problemas e culminaram na demissão de cinco executivos da cúpula da empresa, além de advertências formais a outros tantos.

Mas, se quiser passar a limpo a empresa, Barra terá de fazer muito mais do que puxar orelhas de engravatados em Detroit. Um relatório de 325 páginas da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), o órgão dos Estados Unidos responsável pela segurança no trânsito, listou uma série de problemas de procedimentos que terminaram envolvendo a empresa como uma bola de neve.

Fruto de uma investigação independente, o documento da NHTSA afirma que “houve múltiplos e interdependentes fatores” que levaram a GM a demorar uma década para reconhecer problemas de segurança em alguns modelos, como o Cobalt, e tomar a iniciativa de realizar um recall. A agência federal afirma que “devido à multiplicidade de causas, não há uma solução simples” para montadora. De qualquer modo, o relatório recomenda 14 iniciativas para que a segurança dos carros da GM se torne prioridade, e que eventuais ocorrências possam ser tratadas de modo mais rápido. A lição de casa da GM, segundo a NHTSA, é a seguinte:

1) Melhorar a estrutura organizacional
Entre as recomendações, está a de assegurar que o vice-presidente global de segurança veicular conte com recursos efetivos para desempenhar sua função. Além disso, o executivo precisa ter acesso garantido à presidência da montadora e ao conselho de administração, para relatar a situação, pelo menos, a cada trimestre.

2) Enfatizar a segurança na cultura da empresa
Aqui, os conselhos enfatizam a comunicação com os empregados, por meio de boletins, avisos em locais visíveis, etc. A NHTSA também destacou uma iniciativa da montadora, a “Speak Up for Safety” (algo como “Fale pela Segurança”, numa tradução livre). Trata-se de um programa que incentiva a todos os funcionários a comunicarem eventuais problemas e a apresentarem sugestões.

3) Esclarecer as responsabilidades individuais
Em uma organização gigante como a GM, a responsabilidade pelos problemas pode se diluir tanto, que, no fim, ninguém se sente pessoalmente responsável por eles. A NHTSA recomenda que a companhia esclareça as responsabilidades de cada funcionário e cargo nos casos de problemas de segurança, além das contas que cada um deverá prestar nesses episódios.

4) Melhorar a comunicação entre os grupos (e dentro deles)
“O colapso nas comunicações entre e intra grupos foi uma parte crítica das falhas”, segundo o NHTSA. O órgão do governo americano destacou a importância de a montadora reforçar e formalizar meios de troca de informações dentro da companhia entre os departamentos que têm alguma responsabilidade com a segurança dos veículos.

5) Melhorar a comunicação com a própria NHTSA
A agência federal afirma que a montadora não deve vê-la apenas como um órgão regulador, mas sim como “um aliado no esforço de garantir que os veículos da companhia sejam tão seguros quanto devem ser”. A NTHSA recomenda ainda que a comunicação seja centralizada pelo vice-presidente de segurança veicular, além da criação de um banco de dados em comum para facilitar o diálogo.

6) Esclarecer o papel dos advogados
Além das funções óbvias, como representar a GM em casos de recall e em processos públicos, negociando soluções com procuradores federais e estaduais, os advogados da montadora também deveriam ser envolvidos no dia a dia dos projetos e da produção. Uma sugestão da NHTSA é criar encontros regulares entre o corpo jurídico e os engenheiros da empresa, a fim de discutir tendências em questões relativas a segurança. Outra medida seria melhorar o compliance (conjunto de regras e procedimentos), por meio do programa “Winning with Integrity” (algo como “Vencendo com Integridade”), para divulgar os princípios pelos quais os funcionários deverão se portar.

7) Interação com fornecedores
Uma das principais sugestões da NHTSA, nesta área, é estabelecer claramente os responsáveis, dentro de cada fornecedor, pela produção de peças e acessórios seguros para compor os veículos da montadora. Outra recomendação é criar procedimentos claros para os casos em que as peças não estejam de acordo com as especificações da GM.

8) Melhorar o acesso ao banco de dados da montadora
Segundo a NHTSA, muitos problemas seriam evitados, se as pessoas envolvidas tivessem um acesso mais rápido e completo às informações em poder da GM.

9) Melhorar o rastreamento de problemas
A GM possui dois mecanismos básicos para rastrear problemas: o PRTS (Problem Resolution Tracking System) e o EWO (Engineering Work Order). De acordo com a NHTSA, é preciso melhorar a transparência desses processos e focá-los sobretudo em problemas de qualidade e segurança.

10) Tornar os processos de investigação mais imediatos
A NHTSA lembra que a investigação de eventuais falhas na ignição do modelo Cobalt começou apenas dez anos após o início do recall. “Muitos problemas contribuíram para esse extraordinário atraso”, afirma a agência. Para saná-los, ela recomendou a padronização do processo de coleta e revisão das informações que fundamentam uma investigação. Além disso, seria bom estabelecer prazos claros para cada grupo de trabalho envolvido em uma investigação.

11) Acelerar os ensaios de campo
A NHTSA também sugeriu a redução e simplificação do número de passos para que um recall seja anunciado. Um dos procedimentos é o Field Performance Evaluation (FPE), que averigua o desempenho, em campo, de um determinado componente. Uma solução seria padronizar o FPE, para que as questões a serem investigadas sejam claras, com identificação dos componentes a serem avaliados e seu potencial impacto nos modelos em questão.

12) Melhorar as políticas e o treinamento
Segundo a NHTSA, muitos dos funcionários entrevistados na elaboração do relatório afirmavam desconhecer que políticas da GM deveriam guiar suas decisões. Muitos declararam que receberam pouco ou nenhum treinamento sobre as questões mais pertinentes a suas funções.

13) Fiscalizar a implantação de todas as medidas
Assim como as responsabilidade podem ser diluídas, em uma empresa como a GM, a implantação das recomendações da NHTSA também pode cair no vácuo, se não for efetivamente fiscalizada. Para a agência federal, isso significa que a vice-presidência global de segurança veicular e o centro global de compliance e ética da GM tenham poderes efetivos de acompanhamento e cobrança dessas medidas.

14) Documentar tudo
O último passo que a GM deveria dar, segundo a NHTSA, é documentar todos os procedimentos, a fim de acelerar investigações e discussões sobre futuros problemas de segurança.