11/12/2018 - 7:46
Sentado em frente da sua loja de roupas “Nirvana”, em Abadiânia (GO), Antonio de Carmo não escondia a preocupação com as denúncias contra João de Deus. “Não ganho muito com as vendas, mas vivo bem. Se a Casa (Dom Inácio de Loyola, onde o médium atende) acabar, metade do comércio vai junto.” Na loja de cristais em frente, vê-se outro relato na mesma linha. O temor é de “quebradeira”.
Marcos Júnior, que há oito meses chegou à cidade para ajudar o pai no comércio, nem imagina o que seria de Abadiânia se as atividades do líder espiritual fossem encerradas. “Não gosto nem de pensar. Ele atrai muita gente, movimenta os negócios.” Isso vale até para cursos de idiomas. Marcos, por exemplo, para atender melhor fregueses, vai para cidade ao lado cursar inglês e espanhol.
“Claro que a verdade tem de ser dita, que as denúncias têm de ser investigadas. Se for culpado, merece castigo. Mas não vou esconder que fico preocupada com meu futuro”, afirma uma comerciante que trabalha na rua que leva à Casa Dom Inácio, onde João de Deus atende às quartas, quintas e sextas.
Pelas contas do prefeito José Aparecido Diniz (PSD), os atendimentos feitos pelo médium atraem mensalmente cerca de 10 mil pessoas – 40% estrangeiros. Número expressivo, sobretudo considerando os 17 mil habitantes da cidade – a 90 quilômetros de Goiânia e a 120 quilômetros de Brasília. “Olha o salto no consumo”, afirma Diniz.
Secretário de Turismo e Meio Ambiente, José Augusto Paralov concorda. “A cidade é pequena e o comércio vive em função disso. Temos 40 pousadas e hotéis, além de uma dezena de restaurantes, que dependem exclusivamente das excursões e romarias. Pode acontecer uma quebradeira.”
Pelas contas do município, a Casa Dom Inácio de Loyola cria, direta e indiretamente, 1,3 mil postos de trabalho. Mas também dá gastos. “Muita gente com problema de saúde chega aqui em busca de atendimento espiritual. Mas o que acontece é que muitos acabam parando no hospital”, completa o prefeito. Ele relata ainda mortes de fiéis. “E algumas vezes, o traslado do corpo ficou por conta do município.” Procurada, a Casa não se pronunciou.
O turismo religioso divide a cidade. De um lado da BR-060 onde está o centro religioso, o comércio de lojas esotéricas, de roupas brancas (pede-se que os visitantes usem essa cor) e do movimento de estrangeiros dá um ar movimentado e pitoresco ao lugar. No outro lado da BR, onde ficam as casas dos moradores da cidade e a maior parte dos prédios públicos, Abadiânia é uma típica cidade do interior. “Até a violência onde ficam os moradores é maior”, conta um lojista, que não quis se identificar.
“Era tudo mato”. Dona da pousada que leva seu nome, Izaíra Alves da Silva, de 84 anos, diz que “todo mundo vive em torno do médium”. Ela conta que, quando se mudou para Abadiânia, há 33 anos, “era tudo mato”. “Sou de Dourados (MS). O médium me colocou como guia e passei a trazer excursões de Belém, até conseguir montar minha pousada. Se fechar, acaba tudo mesmo. Como vamos pagar as contas?” Dono da Pousada São Gabriel, Jovelino Junior estima que 90% das ocupações da rede hoteleira local resultam do fluxo de pessoas para a Dom Inácio. “Vi alguma coisa no noticiário e estou assustado. Vai ter desemprego, não sei como a cidade vai sobreviver.”
A guia Maria da Penha Ribeiro, de 73 anos, que há mais de 30 anos leva excursões de Belo Horizonte, relata cuidar de duas viagens por mês. “Todos são bem atendidos e não se cobra. Quem quer faz doação em dinheiro ou remédio.”
Outra guia, Claudia Celina Silva, de 59 anos e de Cuiabá, está com excursão fechada para esta terça-feira, 11. “Telefonei para todos e querem ir do mesmo jeito. A maioria é portadora de câncer e vai só para agradecer. Estou apavorada com a possibilidade de fechar (a casa). Sou católica, mas devo muito ao médium. Meu filho teve cinco comas, o último de 45 dias. Nenhum médico me deu esperança, mas ele voltou a enxergar e andar.
O guia internacional Anselmo Lima, de Brasília, que organiza excursões da França, disse que não há cancelamentos. “Mas é importante que toda essa situação seja esclarecida.”
Polêmico. A expectativa é para ver o que ocorrerá na quarta, quando os trabalhos semanais teriam início. “Estou certa que muitos vão chegar. Como eu”, disse a diarista Maria Aparecida Barros. A cada quatro meses, ela viaja de Curitiba para Abadiânia, em busca de tratamento para seu filho, Luan, de 27 anos.
Com Síndrome Wolfran (doença genética rara), Luan apresenta visão comprometida. “Há cinco anos venho aqui na casa (onde o médium atende). Depois disso, a progressão da doença diminuiu.” Maria Aparecida é uma das que acreditam que em pouco tempo as denúncias serão desmentidas. “Isso vai passar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.