O fenômeno das fake news cresce diariamente, a ponto de muitas vezes não conseguirmos distinguir a notícia verdadeira da falsa. Nossos celulares, e-mails e redes sociais são inundados por esse conteúdo que, muitas vezes, além de falso, é também difamatório e ofensivo, pois visa atacar terceiros, e não somente confundir o público leitor através de uma mentira. Estas são características peculiares das fake news: a) seu imenso poder devastador, que ofende e fere a imagem de uma pessoa, marca ou instituição através de um fato mentiroso, enquanto arrebanha seguidores ávidos, que replicam instantaneamente o conteúdo negativo, envolvidos pela manchete curiosa; b) informações inverídicas disseminadas com intuito de manipulação direta da opinião pública; c) notícias falsas divulgadas com objetivos meramente financeiros (as chamadas notícias “caça-cliques”: quanto maior o número de cliques, maior o retorno).

Esse conteúdo falso, uma vez publicado na internet, é rapidamente “viralizado”, compartilhado por milhares de pessoas, e sua retirada é extremamente difícil, dada a proporção que alcança. A criação, divulgação e compartilhamento de fake news podem acarretar ilícitos já previstos em nossa legislação, gerando responsabilização civil e criminal para os envolvidos. Para as vítimas ou potenciais alvos dessas fake news, os danos sofridos afetam tragicamente suas vidas pessoal e profissional, gerando máculas indeléveis.

As fake news são notícias falsas, inventadas e manipuladas com o intuito de viralizar na rede mundial de computadores, atraindo com um pretenso verniz jornalístico, a intenção do público e o resultado financeiro derivado dos cliques e visitas na página.”

Fake news também podem ser conceituadas como notícias fraudulentas, tendo em vista que além de trazerem um conteúdo falso, que não condiz com a realidade, por intermédio de uma manchete curiosa ou tendenciosa, induzem o leitor a clicar em um link e tomar determinadas atitudes a partir deste momento. Tais comportamentos podem envolver desde a efetivação de uma compra em um site falso até mesmo o compartilhamento de matéria negativa ou falsa para terceiros.

Na prática da advocacia na esfera do Direito Digital, é comum nos depararmos com inúmeros casos relacionados a crimes contra a honra praticados por meios eletrônicos, e há casos específicos em que as ofensas e o ódio tomam proporções inimagináveis, resultando em uma verdadeira campanha difamatória. Como um exemplo concreto, de um único material, o ofensor pode ser capaz de criar centenas de vídeos difamatórios com informação falsa e manipulada, disponibilizar em uma plataforma de vídeos e instigar seu compartilhamento pelos usuários que o seguem. Esse material é compartilhado progressivamente na internet a ponto de sua total retirada tornar-se tecnicamente impossível. Enquanto o conteúdo falso e difamatório reverbera na internet, a vítima vai sofrendo os danos desse linchamento virtual, na esperança de que o Judiciário compreenda a situação e atue rapidamente. Mas infelizmente, na maioria dos casos, o nosso Judiciário perde para a velocidade da tecnologia… Há casos em que o trâmite chega a surpreender, com desfecho da situação em alguns meses. Contudo, esse não é o retrato da maioria dos processos judiciais.

Possível enquadramento legal para as fake news

Em muitos casos, as fake news podem ser enquadradas em crimes de calúnia, difamação e/ou injúria, os chamados “crimes contra a honra”. Há situações em que também podem caracterizados os delitos de ameaça, crimes de racismo e preconceito, preconceito em razão da idade. Além disso, há situações que podem envolver homofobia, misoginia, assédio (moral ou sexual), etc. Muitas vezes as fake news não se enquadram em tipos penais já definidos, mas causam repúdio, porque não condizem com a verdade. É curioso e alarmante notar a quantidade de informações falsas que as pessoas compartilham, sem tomar o menor cuidado de questionar a sua veracidade. Percebe-se que “aquilo em que as pessoas escolhem acreditar importa mais do que a verdade dos fatos. Dessa forma, ao encontrar uma notícia que se adeque às suas convicções pessoais, as pessoas não hesitam em compartilhá-la sem ao menos verificar a procedência dos fatos.”

Como as fake news podem acabar com a reputação de sua empresa/negócio? Como minimizar os impactos negativos?

A partir do momento em que alguém compartilha um conteúdo negativo, ofensivo, difamatório e falso contra sua empresa ou marca, dependendo do tipo de material, dada a facilidade de proliferação disso nas redes sociais e conforme o número de seguidores que o indivíduo possui, esse material poderá subir rapidamente no ranking de pesquisa dos principais buscadores, a ponto de aparecer no primeiro item de busca, ao invés do site de sua própria empresa. Sim, isso é alarmante! Imagine só um vídeo ou uma publicação falsa, denegrindo a imagem de sua empresa, aparecendo como primeiro link do Google Search, ao pesquisar pelo nome de empresa?!

A partir desse momento, será necessário tomar algumas medidas importantes, a fim de conter o dano já causado:

  1. a) Identificar o tipo de conteúdo negativo publicado e sua origem: pesquisar sobre o conteúdo na internet, a fim de constatar em quais plataformas o material foi veiculado. Verificar se o material é um vídeo, foto, texto; bem como quem publicou, e onde está hospedado; se o usuário é brasileiro; qual o teor do conteúdo; se há um “alvo” específico nesta publicação (uma pessoa identificada/identificável, a marca como um todo, um produto ou serviço, etc); extrair os links de todas as publicações negativas efetuadas originalmente.
  2. b) Verificar se houveram compartilhamentos: quantas pessoas compartilharam, e em quais canais/plataformas/sites, procurar identificar os perfis que compartilharam.
  3. c) Entrar em contato com o indivíduo autor da publicação original: solicitar remoção do conteúdo, amigavelmente.
  4. d) Se o conteúdo negativo/falso já viralizou nas redes sociais: publicar uma nota ao público, nas mesmas redes onde o conteúdo circulou e também no site da empresa, explicando que o material é falso. Caso seja necessário, remeter tal nota à imprensa.
  5. e) Notificação extrajudicial ao autor da publicação: caso o contato informal com o autor da publicação falsa não tenha surtido efeito, enviar uma notificação extrajudicial solicitando a remoção definitiva do material.
  6. f) Notificação extrajudicial ao(s) site(s) que hospedam o material negativo/falso: caso o autor, após receber a notificação extrajudicial, permaneça inerte, convém enviar uma notificação extrajudicial para cada site/plataforma que hospeda o conteúdo viralizado, a fim de que removam definitivamente o material.
  7. g) Ação judicial contra o autor do conteúdo falso e contra o(s) site(s) que hospedam o material: se mesmo após o envio de notificações extrajudiciais ao autor do conteúdo falso e ao site/plataforma que o hospeda, o material ainda permanecer online, pode ser necessário ingressar com uma ação judicial específica, contra o autor do material, já identificado, e contra o(s) site(s)/plataforma(s) que o hospedam, solicitando a remoção definitiva do conteúdo. Conforme o caso, poderão ser cabíveis pedidos indenizatórios e ação criminal.
  8. h) Ações de marketing: enquanto procura-se remover o conteúdo negativo publicado, recomenda-se que sejam feitas ações de marketing no intuito de reverter a imagem negativa gerada pelas fake news, bem como melhorar a colocação da empresa no ranking de busca da internet, a fim de minimizar o número de links negativos existentes.

Como reconhecer uma fake news

Identificar uma notícia falsa nem sempre é fácil, e igualmente difícil é resistir à vontade de compartilhar o conteúdo que você acabou de receber e que condiz com aquilo que acredita. É preciso ter cautela e analisar primeiramente o teor da informação recebida antes de acreditar na matéria ou de compartilhá-la. Podemos citar alguns cuidados a serem tomados, para facilitar a identificação das fake news:

  • A manchete é polêmica, curiosa

Vivemos um paradoxo: na era da informação, parece que a desinformação é muito maior. Geralmente as fake news possuem um título chamativo, polêmico, curioso, ou um conteúdo “bom demais para ser verdade”, que justamente visam chamar a atenção do usuário para o clique. Portanto, ao ver uma manchete extremamente atrativa, desconfie.

  • Não há fontes mencionadas

A grande maioria das notícias falsas não possui sequer menção de um veículo de comunicação ou um link original. Ou quando há menção a algum canal de mídia, é com intuito de, falsamente, dar maior credibilidade ao conteúdo. Verifique a URL do site mencionado, pois há situações em que a matéria falsa de aproveita de erros de digitação para utilizar um domínio de site falso, com aparência de um site verídico. Exemplo: uma fake news publicada no site bbc.co, quando o correto seria bbc.com.

Vale a pena pesquisar pela imagem compartilhada no Google Imagens, a fim de verificar se a mesma é encontrada em outros links fidedignos.

  • A matéria não foi publicada em outros veículos

Se a notícia recebida consta somente em um meio (exemplo: grupo de Whatsapp, grupo ou fanpage no Facebook etc.) não sendo possível encontrá-la em outros veículos confiáveis na internet, provavelmente trata-se de uma fake news. Pode ocorrer do conteúdo ter sido encaminhado em primeira mão; mas nesses casos, em questão de tempo, o material irá circular por veículos de mídia na internet, que sendo confiáveis, farão a checagem da veracidade. Portanto, se passadas algumas horas ou dias, a notícia não foi encontrada em outras fontes, desconfie.

  • Utilize sites de checagem de notícias

Além de pesquisar sobre o conteúdo em questão nos principais buscadores e portais de notícias, você poderá conferir sites específicos de checagem de fatos, tais como: Agência Lupa, Aos Fatos, Truco, Boatos.org, E-farsas, Fato ou Fake.

  • O que fazer ao se tornar alvo de uma fake news

Ao se tornar alvo de uma fake news, sendo pessoa física ou jurídica, é importante, em um primeiro momento: conter os danos e gerar as provas eletrônicas necessárias. Nesse sentido, é essencial buscar suporte jurídico e técnico, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias. O apoio jurídico é essencial, pois irá avaliar as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, que poderão incluir procedimentos específicos para excluir o conteúdo falso publicado, identificar os responsáveis pela criação e disseminação do material, buscar a reparação dos danos e responsabilização dos envolvidos; bem como avaliar quais provas serão necessárias para constatação do ocorrido. O apoio técnico de um perito em forense digital também é importante, pois conforme o caso, poderá ser necessário a extração de provas eletrônicas específicas, cuja integridade será essencial ao deslinde do caso. Também é importante que a vítima colete os prints de telas dos canais através dos quais a fake news foi divulgada, com menção das URLs das publicações originais, data e horário; bem como menção dos links dos perfis respectivos que a (re)publicaram. Caso o alvo da fake news seja uma empresa ou ente público, é importante que logo após tomadas essas medidas iniciais, este emita uma declaração à imprensa ou aos seus consumidores/clientes, informando sobre a situação e as medidas tomadas. Em grandes corporações, pode haver um Departamento de Risco/Compliance, Comitê específico ou funcionário nomeado para gerenciar esta crise. Nessa situação, uma equipe multidisciplinar poderá ser envolvida, cuidando tanto dos aspectos jurídicos na bem como técnicos; quanto de Relações Públicas, a fim de cuidar do caso frente a mídia.

Conclusões

 Os avanços tecnológicos do último século – computadores, internet, algoritmos autônomos, inteligência artificial etc. – aceleraram as transformações sociais, culturais e econômicas em nossa sociedade. Esse cenário de mudanças tão repentinas e constantes revela um desafio ao pensamento moral e ético, ainda mais quando estamos diante das fake news, que ora estimulam debates interessantes sobre o que é ou não verdade, ampliando os horizontes das investigações acadêmicas e profissionais, por outro lado, invocam uma quase imensurável fonte de pesadelos. Se observarmos a tecnologia apenas como uma ferramenta para construir alguma coisa, seremos ainda incapazes de percebermos as implicações morais e éticas. Sob essa perspectiva, certamente é necessário aprimorar os cuidados para encontrar um meio de alinhar a conscientização dos usuários a conteúdos qualitativos verdadeiros e segurança jurídica da liberdade de expressão, a inviolabilidade da privacidade, nome e imagem das vítimas e potenciais alvos de notícias falsas, fraudulentas, odiosas ou ainda (des)informação inútil, sem nenhum critério de razoabilidade. Evolução tecnológica com consciência, segurança jurídica, ética e humanidade são os pilares para uma sociedade pós-moderna e contemporânea à beira da 5a Revolução Industrial.

*Gisele Truzzi é advogada especialista em Direito Digital e fundadora da Truzzi Advogados.