23/04/2020 - 12:42
Assim que percebeu o poder mortal do novo coronavírus, o médico uruguaio Roberto Canessa, um dos sobreviventes da tragédia dos Andes, propôs-se a ajudar a abastecer seu país com respiradores suficientes para que ninguém morresse de “sede de ar”.
Em outubro de 1972, o avião no qual viajava para o Chile como parte de uma equipe de rugby caiu a 3.600 metros acima do nível do mar, na cordilheira argentina. Dos 45, apenas 16 suportaram as condições extremas de frio e fome por 72 dias até o resgate.
+ Há número crescente de restrições a exportações em resposta à covid-19, diz OMC
+ Com máscaras, legisladores americanos debatem pacote de apoio econômico
Canessa foi um dos protagonistas quando se lançou heroicamente ao lado de outro jogador de rugby, Fernando Parrado, para contornar o topo da montanha e obter ajuda. O impacto do surto de COVID-19 trouxe esse feito incrível de volta à sua memória.
“Quando vi que no mundo as pessoas estavam morrendo de sede de ar, isso me lembrou a montanha, quando vi meus amigos que não conseguiam mais respirar e disse: não, isso não pode acontecer comigo de novo”, conta à AFP este afável homem de 67 anos, momentos antes de realizar o primeiro teste do mais recente protótipo de respirador resultante de seus esforços.
À medida que a epidemia progredia, ficou evidente para ele que “países grandes como Estados Unidos, ou China, teriam possibilidades de comprar, ou fabricar, respiradores, mas o Uruguai, não”.
“Eu também aprendi isso na montanha: estava aqui, tinha que sair, tinha que começar a andar, não sabia o quão longe tinha que andar, mas sabia que cada passo que daria estaria mais próximo” de um possível resgate.
Desta vez, “queria me aproximar do respirador”.
Além de suas credenciais como cardiologista infantil, sua fama pelo “milagre dos Andes” o ajudou a atrair pessoas para sua causa. Alguns dias foram suficientes para alcançar um primeiro modelo, batizado “Charrúa”.
Agora, o grupo do WhatsApp que ele montou, “Respiradores”, tem 80 voluntários, incluindo engenheiros pneumáticos, eletrônicos, robóticos, entre outros profissionais, dedicados a otimizar “quase quatro” modelos que eles projetaram e fabricaram.
O mais avançado é “Guenoa”, nome do povo indígena Charrúa e que, segundo Canessa, foram as iniciais de “Obrigado Uruguai, estamos precisando de oxigênio agora”.
A ideia é fabricar o maior número possível, mas é preciso primeiro testá-lo e calibrá-lo. Isso começou a ser feito na quarta-feira (22) com testes em um porco, em uma área de pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade da República, em Montevidéu.
Diferentemente dos equipamentos de empresas especializadas, que custam cerca de US$ 20.000 cada, esse modelo custa em torno de US$ 1.200.
E a evolução da epidemia no Uruguai jogou a favor. Com uma população de 3,5 milhões, o país registrou até quarta-feira 549 infecções e 12 mortes.
Com isso, houve tempo para que o respirador “seja aperfeiçoado todos os dias”.
Para testá-lo, “colocamos um modelo de porco recém-nascido em uma situação de UTI e podemos monitorar todas as variáveis que normalmente se pode estudar para saber como as doenças se comportam, avaliar tratamentos e diferentes equipamentos”, explica Fernanda Blasina, diretora do Departamento Neonatal do hospital.
E, embora Canessa esteja ciente de que é difícil para as autoridades de saúde aprovarem um ventilador fabricado “em uma garagem”, será a realidade, diz ele, que prevalecerá: “Quando as pessoas estiverem desesperadas, (o Ministério da Saúde) terá que usar. Meu dever como cidadão é dizer: eu tenho isso, se funcionar para você, use”.