14/05/2020 - 17:04
Uma amiga psicanalista que mora há alguns anos nos Estados Unidos conta que já ouviu, de mais de um homem, um relato curioso: eles evitam entrar no elevador com uma mulher que esteja sozinha. Esperam pelo próximo, com medo de que uma palavra, um gesto ou um olhar mal colocado naquele curtíssimo espaço de tempo entre o andar A e o andar B possa ser confundido com assédio.
É um exagero, sim (e bem americano…). Mas em um mundo de fronteiras cada vez mais borradas, não é difícil entender que os homens estejam confusos sobre o comportamento adequado diante de uma mulher, em especial nos ambientes de trabalho, em que a revolução de costumes é profunda e continua acontecendo. Muitos se explicam dizendo que não sabem mais sequer como elogiar uma colega, não importa onde cada um esteja no organograma. E, mesmo com todos os cuidados, acham sempre que estão errando.
Olhar de perto um caso que movimentou o LinkedIn na semana passada pode ajudar a entender onde.
Uma mulher que trocou de emprego resolveu fazer o que se faz normalmente nessa rede social dedicada às conexões profissionais: disparou vários convites para aumentar sua rede de contatos, o tal network. Um dos novos colegas aceitou o convite enviado, cumprimentou a mulher pela troca e arrematou a mensagem com uma frase bastante entusiasmada sobre a beleza dos olhos dela, que viu apenas na foto do perfil (eles não se conheciam pessoalmente, mas isso também é normal nas redes sociais).
Como não era a primeira vez que acontecia, a mulher decidiu reagir. Em um longo e incisivo post, preservou a identidade do homem mas explicou publicamente a ele que “LinkedIn não é Tinder” (ou seja, não é o lugar para ser abordada dessa maneira, nem ela está ali para isso). Disse ainda que preferia ser elogiada por atributos profissionais num ambiente idem.
E porque esse assunto está na pauta, em dois dias o post já tinha quase 1.000 comentários e 7.000 reações. Com um pouco de tudo, incluindo os radicalismos – de um lado, ela foi chamada de “feminista azeda” por “rejeitar elogios”; de outro, recebeu a sugestão de buscar um advogado para fazer “valer seus direitos” e denunciar o “assédio”.
Isolando esses extremos, no batalhão dos ponderados muitas outras mulheres relataram já ter passado pelo desconforto de ouvir um elogio esquisito em seu ambiente de trabalho. De se perguntar se aquilo era “cantada” ou assédio, e até se havia sido provocado por algum comportamento inadequado dela mesma. Quem um dia já precisou adotar o sorriso amarelo como escudo numa conversa profissional sabe do que elas estão falando.
Porque esses relatos, e um bocado de pesquisas nos ambientes de trabalho, mostram que é bem comum uma mulher receber elogios nebulosos quanto à intenção (no caso em questão, aliás, era elogio ou “cantada”?). E não raramente, quando protesta, ainda precisa ouvir que o problema não estava na intenção nebulosa do outro, mas na sua cabeça. (Sim, esse comentário também apareceu no post do LinkedIn.)
Essas abordagens incluem quase sempre considerações sobre a aparência física da mulher. Ainda que entusiasmadas, e positivas, não deixam de ser inconvenientes. E se vierem acompanhadas de insistência, criam o cenário perigoso: mesmo em um mundo de fronteiras borradas, um simples “não” já deveria servir para estabelecer a fronteira final. Passar dela é ingressar no território do assédio.
Não é difícil entender – basta uma dose de boa vontade para rever comportamentos normalizados, e mudar. Como aconteceu nesse caso. Depois de ler os argumentos enfileirados no post e em boa parte dos comentários, o homem acabou enviando uma mensagem de desculpas que a mulher aceitou e publicou junto do seu texto, encerrando o assunto. Cada um cedeu um pouco, e ambos certamente aprenderam muito.
Quem acha que isso é impossível tem mesmo é que ficar esperando o próximo elevador.