07/11/2022 - 21:41
Estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que as mortes prematuras relacionadas ao consumo de alimentos ultraprocessados chegam a 57 mil por ano no Brasil. Isso corresponde a cerca de 10% dos óbitos de pessoas de 30 a 69 anos registrados em 2019, ano destacado para análise.
Como alternativas para mudar essa realidade, especialistas destacam a importância de trabalhar políticas públicas para tornar os alimentos saudáveis mais acessíveis para a população. Recomendam ainda que os consumidores priorizem alimentos orgânicos e que observem os valores nutricionais nas embalagens antes de comprar comida.
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Há um mês, entrou em vigor no País a nova rotulagem de alimentos, para identificar produtos com alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio.
Os resultados, que foram divulgados nesta segunda-feira, 7, em artigo publicado no American Journal of Preventive Medicine, indicam que 57 mil das mortes ocorridas em 2019 são atribuíveis ao consumo de alimentos ultraprocessados. O número corresponde a 10,5% do total de óbitos de pessoas entre 30 e 69 anos ocorridas naquele ano (541,3 mil) e a 21,8% das vítimas das chamadas doenças crônicas não transmissíveis (261,1 mil).
Entre as mortes relacionadas à má alimentação, destacam-se principalmente as que se dão por enfarte e AVC (acidente vascular cerebral), explica o pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo Eduardo Nilson, que liderou o estudo.
Isso porque, explica, estão diretamente ligadas a problemas como hipertensão. “Mas tem também a questão do diabete, da obesidade, da doença renal crônica”, exemplifica.
As descobertas do estudo foram fruto de uma análise aprofundada, feita ao longo de todo este ano, de informações do último ano pré-pandemia. O período foi escolhido por conta da solidez dos dados para modelagem, mas a avaliação dos pesquisadores é que, ao longo dos anos seguintes, deve ter se mantido padrão semelhante ou até pior.
“O risco em si não muda ao longo do tempo, o que vai mudar é o que a gente chama de exposição, que é o quanto aquele fator de risco está afetando a população”, explica Nilson. “Isso vai ser representado pelo tanto de alimentos ultraprocessados que se consome, e a gente sabe que vem havendo um aumento do consumo nas últimas décadas.”
Mudanças na alimentação do brasileiro
Conforme estudos recentes, nos últimos anos os alimentos ultraprocessados ganharam espaço na mesa do brasileiro. Eles passaram a representar cerca de 24% das calorias consumidas pelos brasileiros. Há cerca de 30 anos atrás, correspondiam a menos da metade que isso: tinham apenas 10% de participação calórica.
O índice segue melhor que o de países como Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, em que os alimentos desse tipo podem corresponder a até 60% das calorias, mas Nilson alerta que as mudanças ao longo das últimas décadas chamam atenção. “Existe em uma tendência que é de aumento no consumo de ultraprocessados, inclusive porque existe muita propaganda, maior disposição desses alimentos”, afirma.
Ele destaca que, além de estarem disponíveis em muitos lugares, um outro ponto é que o preço de alimentos in natura e minimamente processados está crescendo e o de ultraprocessados, diminuindo. “Isso também influencia muito na questão de acesso de consumo, principalmente em um cenário de recessão, que nós temos já há alguns anos.”
Para o pesquisador, os resultados do estudo, que contou com apoio da ACT Promoção da Saúde, colocam o consumo crescente de alimentos ultraprocessados como um problema de saúde pública no País. “Uma das análises que fizemos no artigo é que, se voltássemos ao que nós tínhamos de ultraprocessados (na alimentação) há 10 anos atrás, já reduziria em 20% essas mortes atribuídas. Mostra que o impacto da redução é grande e necessário.”
Medidas adotadas para mudar esse cenário
Com o objetivo de manter a população informada sobre os alimentos que consome, entrou em vigor no dia 9 de outubro uma nova rotulagem de alimentos no Brasil. Além de mudanças na tabela de informação – como a obrigatoriedade de declarar a quantidade de açúcares totais e adicionados, do valor energético e de nutrientes -, uma novidade foi a adoção da rotulagem nutricional frontal.
Os produtos lançados após a mudança já estão submetidos às novas regras, mas os que já estão no mercado ainda vão demorar um pouco mais para incorporarem a alteração. Para Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a medida é bem-vinda, mas deve ser trabalhada em conjunto com outras iniciativas.
Segundo Maria Edna, a industrialização cumpriu um papel importante para aumentar a quantidade de alimentos disponíveis para a população. “Mas agora a gente tem um problema que é a qualidade”, alerta ela, que cobra a criação de mais subsídios para reduzir o preço de produtos saudáveis para o consumidor final.
No Brasil, Nilson destaca que a alimentação escolar já adota as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira, que é um documento norteador para a alimentação saudável no País. Mas cobra que esse tipo de política seja adotado também em outros setores. “Pode até passar pela revisão das cestas básicas, trazer mais cestas verdes, amarrando com agricultura familiar. É um múltiplo de alternativas que devem se complementar.”