Na madrugada de quarta-feira, 30 de novembro, enquanto o Brasil ainda chorava pelas vidas perdidas no acidente com o avião da Chapecoense, os deputados federais aproveitaram para, literalmente, armar uma arapuca. Sabendo que a atenção da população estava voltada às notícias que vinham da Colômbia, os parlamentares viram uma brecha para votar o projeto das dez medidas anticorrupção com várias modificações (leia reportagem aqui), que, nas palavras do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), “destruíram a proposta inicial”. “O que assistimos foi a total destruição das ideias centrais das dez medidas, que era o sistema de combate à corrupção e a impunidade”, diz Lorenzoni. No mesmo dia, só que no fim da tarde, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou aprovar um pedido de urgência para votar o projeto. A ideia era passar como um trator, mas não deu certo. Agora o pacote anticorrupção terá de ser avaliado pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do Senado. Lorenzoni falou com a coluna:

O Brasil ficou perplexo diante da aprovação do projeto das dez medidas anticorrupção na calada da noite, no momento em que o País estava de luto pelos mortos do avião da Chapecoense. O que aconteceu?
Desde a manhã de terça-feira, eu já falava que, devido ao acidente da Chapecoense, não deveria ter votação nenhuma, era uma falta de sensibilidade. Mas a Câmara tocou para frente. O que assistimos foi a total destruição das ideias centrais das dez medidas, que era o sistema de combate à corrupção e a impunidade. A Câmara, na minha visão, abriu um fosso entre o parlamento e a cidadania brasileira que não se recompõe mais nos próximos anos, só na próxima legislatura. De 2013 para cá, uma nova cidadania nasceu no Brasil e a Câmara não percebeu isso.

Isso mostra uma total desconexão com a sociedade. É meio que olhar para a população e dizer “danem-se vocês”. Não passa essa impressão?
Totalmente. O parlamento olhou para o seu umbigo, deu de ombros para a sociedade. Só que isso vai gerar um divórcio entre a cidadania e a sua representação – maior do que já é. Foi uma escolha que vai custar muito caro para a Câmara dos Deputados, caro do ponto de vista histórico de sua relação com a sociedade. E tudo para fazer uma vendetta, uma vingança contra a Lava Jato, contra o Sergio Moro, contra o Deltan Dallagnol e seus colegas. Era isso, era dito.

O senhor está sendo vaiado pelos seus colegas de parlamento. Como está lidando com isso?
Eu tenho 20 anos de mandato, oito como deputado estadual e estou há 12 anos como deputado federal. Não me assusto com pouca coisa.

O que mudou do que o senhor fez na comissão para o que foi aprovado?
Na comissão especial, dialogamos longamente com especialistas, bancadas e sociedade, passamos 4 meses ajustando, construindo e preparando as medidas. Quando fomos votar, retiramos todo e qualquer risco a lesão a direitos e garantias individuais. O que nós absorvemos do relatório era o mínimo para dar ao Brasil uma condição de ter o acompanhamento e aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, tinha a criminalização do enriquecimento ilícito, o aumento das penas relacionadas com o movimento econômico, ou seja quanto mais o cara rouba, mais fica na cadeia – o que era uma inovação na América Latina. Ao ponto de chegar a um crime de corrupção de alto valor, superior a 10 mil salários mínimos, e isso virar crime hediondo. E assim sucessivamente. Estava muito equilibrado. Eram medidas que davam uma atualizada no judiciário brasileiro, instrumentalizava o Ministério Público, melhorava a eficiência dos controles e trazia a sociedade para fazer uma mudança cultural. O Brasil ia ser referência no combate à corrupção na América Latina.

Fica a impressão que os deputados estão legislando em causa própria…
Vou te dizer com todas as letras, sem receio nenhum, que eles não estão legislando, eles legislaram em causa própria. Eles retiraram o enriquecimento ilícito, a prescrição penal, o acordo penal… Causa própria 100%.

Mas de quem partiu a ideia de votar esse projeto no dia em que o Brasil passava por uma comoção nacional?
Esse tipo de decisão é de só uma pessoa.

Do presidente da casa, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)?
É claro, é ele que decide. Fazia parte da estratégia dividir com a comoção nacional. A votação das coisas mais horrorosas aconteceu às 2 horas da manhã, na calada da noite.

E a articulação do Renan Calheiros para votar com pedido de urgência. Qual é a sua avaliação sobre isso?
Ele tentou ter algo para o seu julgamento no STF (na quinta-feira 1o de dezembro, Renan virou réu por desvio de dinheiro de seu gabinete). Isso é óbvio. Quando eles começaram a votar, fui direto para o Senado, conversei com os senadores Randolfe Rodrigues, Alvaro Dias, Ricardo Ferraço e eles lideraram a articulação para que não fosse votado. Ainda bem que conseguiram. Agora vai para a CCJ, isso só será votado no ano que vem, quando o presidente do Senado será outro.

(Nota publicada na Edição 996 da Revista Dinheiro, com colaboração de: André Jankavski)