28/11/2017 - 18:55
O Ministério Público Federal em São Paulo acionou a Justiça pedindo, em caráter de urgência, a anulação da portaria 683/2017 do Ministério da Justiça, que invalidou a ampliação da Terra Indígena Guarani no Jaraguá, na zona norte da capital. Sustenta o MPF que a decisão tomada pelo ministro Torquato Jardim “contraria o devido processo legal, a jurisprudência brasileira e normas internacionais ao se basear em motivos falsos e ter sido editado sem prévia consulta a órgãos e grupos envolvidos na demarcação, entre eles a comunidade Guarani que habita o local”. Para tomar uma decisão sobre o pedido, a Justiça solicitou que a pasta se manifestasse nesta semana sobre o assunto.
A ação civil pública foi ajuizada pelo MPF em 26 de outubro e mira a portaria 683, baixada em agosto e que anulou o conteúdo da portaria 581 de 2015. Naquele ano, o então ministro José Eduardo Cardozo reconhecia a posse permanente dos Guarani em uma área de 512 hectares, o que corresponderia à ocupação tradicional e histórica do grupo da região. Parte da área se sobrepõe ao Parque Estadual do Jaraguá, que pertence ao governo paulista. Esse foi um dos motivos alegados por Jardim para anular o reconhecimento. Com a reversão da delimitação, a área das aldeias está hoje definida em 1,7 hectare.
Segundo as procuradoras Suzana Fairbanks Oliveira Schnitzlein e Maria Luiza Grabner, a necessidade de ouvir os interessados em manter a vigência da Portaria 581/2015 é amparada na Lei nº 9.784/99 e em decisões de tribunais superiores que estabelecem a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa também a atos administrativos federais.
Escrevem as procuradoras no documento de 27 páginas que é “falsa” a informação de que não houve diálogo com o governo de São Paulo. “Documentos comprovam que, desde 2014, a Procuradoria-Geral do Estado mantinha contato com a Funai para estabelecer um plano de administração do local. As negociações só não avançaram porque o governo estadual resolveu suspendê-las”, declarou em nota o Ministério Público.
A nota diz ainda que a Constituição de 1988 ampliou o parâmetro para a definição das reservas e considera que os limites não podem se restringir às parcelas habitadas pelas aldeias, mas devem se estender às áreas tradicionalmente ocupadas, o que inclui recursos naturais necessários à preservação da vida, da cultura e das tradições de seus integrantes.
O MPF quer que a Justiça determine a anulação da Portaria nº 683/2017 com urgência, em caráter liminar, e alertou para as possíveis consequências caso a redução da terra indígena se mantenha. “Com a edição da portaria 683/2017, aquela terra indígena volta a ter a menor área demarcada no Brasil, com ínfimo 1,7 hectare. Essa situação calamitosa de extremo confinamento impede o pleno desenvolvimento de atividades típicas da cultura Guarani, sendo causa de diversos conflitos internos e com a comunidade não indígena do entorno”, escrevem Suzana e Maria Luiza.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse que ainda não foi notificado sobre esse assunto. “Os fundamentos que motivaram a edição da referida portaria estão descritos no próprio texto publicado no Diário Oficial da União”, resumiu a pasta.
Protesto
Em setembro, os índios realizaram protestos contra a anulação da portaria. No dia 15, ao não verem as reivindicações atendidas, eles subiram ao Pico do Jaraguá e ocuparam antenas de telecomunicações, chegando a interromper o funcionamento da estrutura principal pela manhã – com efeitos para a transmissão de sinal de televisão e celular – e só permitindo o religamento após reunião com representantes do governo do Estado.
Antes, no dia 30 de agosto, os índios já haviam realizado manifestação no escritório da Presidência da República na Avenida Paulista. A demanda dos guarani-mbya por uma área maior no Jaraguá vem desde 1988, quando foi promulgada a Constituição. No ano anterior, o governo federal havia demarcado como terra indígena (TI) uma área de 1,7 hectare para o povo – a menor TI do País, com tamanho inferior a dois campos de futebol.
A reportagem mostrou que a comunidade vive em condições precárias com centenas de cães e gatos abandonados dividindo espaço com sacos de lixo, embalagens plásticas usadas, roupas rasgadas, objetos queimados, restos de comida e fezes de animais. Nas travessas e vielas que formam a comunidade, predominam as casas simples, de madeira, sem banheiro privado nem saneamento adequado. Em alguns trechos, o esgoto fica a céu aberto, no mesmo terreno onde crianças brincam. A sujeira e os problemas de pele expostos no rosto e no corpo dos pequenos denunciam os riscos que aquele solo traz à saúde.