25/04/2018 - 8:00
O Brasil é o país dos contrastes. De um lado, escassez. De outro, bonança. E isso vale para quase todos os setores. Se analisarmos a questão dos recursos hídricos, por exemplo, isso fica ainda mais evidente. Afinal, parece inimaginável supor que uma nação que detém 12% das reservas de água doce do planeta e 53% dos recursos hídricos da América do Sul possa viver em constante crise de abastecimento de água potável. Duvida? Pois, de acordo com relatório da Agência Nacional de Águas (ANA), entre 1991 e 2012, os desastres naturais causados por inundações e secas prolongadas afetaram 127 milhões de brasileiros. Além da perda de vidas, foi contabilizado um prejuízo material estimado em R$ 182,7 bilhões, no período.
Neste contexto, a gestão hídrica deveria ser encarada como uma ação estratégica por gestores públicos e especialmente pelos grandes consumidores residenciais ou comerciais. Mas nem sempre é isso que acontece. O desperdício começa na distribuição da água tratada pelas concessionárias. O índice oscila de 37%, em São Paulo, até espantosos 70%, no Amapá. Muitos de nós, no dia a dia, também fazemos nossa parte neste jogo de perde-perde, no qual não escapam nem as empresas que têm na água um insumo importante em seu processo produtivo.
“O problema é cultural”, aponta o geólogo Sergio Luiz Oliva Nascimento, diretor de atendimento corporativo da General Water, concessionária privada de água e esgoto, que capta o líquido a partir da perfuração de poços tubulares. “Afinal, não falta tecnologia e o custo para implantar sistemas inteligentes de gestão hídrica quase sempre se paga com a economia obtida no processo”. E este tem sido um dos principais argumentos de venda de serviços para indústrias, shopping centers, clubes esportivos e universidades atendidos pela empresa baseada em São Paulo, e que teve um grande impulso em 2014, quando a cidade viveu a iminência do colapso hídrico devido à falta de chuvas. “A insegurança em relação ao abastecimento ajuda a vender este tipo de serviço”, destaca o executivo. “Contudo, o caos não é bom para ninguém.”
A General Water surgiu em 2000, a partir da união de um grupo profissionais com larga experiência em prospecção, perfuração e tratamento de águas subterrâneas. A empresa nasceu como uma resposta ao modo enviesado de funcionamento do setor. Em geral, os contratos preveem o pagamento pela perfuração e instalação de bombas. Contudo, nada dizem sobre a qualidade da água, a vazão e o tempo de vida útil do poço.
No final de 1995, quando ainda atuavam como empregados de uma grande empresa do setor, Nascimento e seus atuais sócios visitaram um cliente em São Bernardo do Campo, cidade industrial da Região Metropolitana de São Paulo. Ele já havia desembolsado uma bela quantia pela perfuração de dois poços que se tornaram improdutivos em um curto período. No ato da apresentação da proposta, o empresário lançou o seguinte desafio: se encontrarem água de boa qualidade e em grande quantidade, ele pagaria o dobro do valor pedido. Caso contrário, o serviço não seria remunerado. “Foi aí que percebemos que havia espaço para cobrar mais caro, caso assumíssemos todo o risco da operação”, conta.
De acordo com o sócio-diretor da General Water, o nível de sucesso da empresa é de 90%, ante os 60% da média do mercado. Pesa nesta equação alguns diferenciais importantes. O primeiro deles é a alta especialização na captação de águas em grandes profundidades, abaixo de 500 metros do solo. O mercado, em geral, trabalha na faixa entre 20 metros e 100 metros. Além disso, os empreendedores foram buscar em cidades dos Estados Unidos (Califórnia e Flórida) e em países da Europa (Holanda) e da Ásia (Cingapura e Japão) o que havia de mais moderno em matéria de tecnologia para purificação da água e tratamento de efluentes.
Ao aliar tecnologia de ponta, modelo de negócios inovador e a experiência dos sócios (cada um deles trabalha no setor há pelo menos 20 anos), a General Water está conseguindo romper algumas barreiras. Hoje, a empresa possui 135 contratos de fornecimento de água, incluindo potências como o Bradesco, a Eurofarma, a Saint-Gobain, a rede de shopping-centers Iguatemi e a Universidade Mackenzie. Em todos eles, o pagamento pelos serviços se dá a partir do consumo da água e da coleta e tratamento de esgoto. “Fazemos todos os investimentos. Desde a prospecção do poço, até a obtenção das licenças ambientais, passando pela instalação dos tubos”, diz o empreendedor. “Mesmo assim o preço de nosso serviço fica entre 20% e 30% abaixo do cobrado pelas concessionárias tradicionais, estatais ou não”.
O segredo, diz ele, está na tecnologia e na longevidade dos contratos. Desde sua fundação, a General Water, que emprega 200 pessoas, vem crescendo no ritmo de 20% ao ano, similar ao das startups. A expectativa para 2017 é fechar com receita de R$ 70 milhões. Estes números chamaram a atenção de investidores estrangeiros. No início de abril, o fundo LGT Impact, baseado no principado de Lichtenstein, comprou uma fatia da General Water. O fundo de investimento só aplica em projetos de impacto socioambiental e sua outra aposta por aqui é a Dr. Consulta.
Nascimento não revela o montante do aporte, alegando a cláusula de confidencialidade do contrato. O mercado, no entanto, fala numa injeção de R$ 70 milhões. De acordo com o executivo, os recursos serão usados para bancar a expansão da empresa. O foco são os mercados do Rio de Janeiro e da Bahia. Neste último, a General Waters vai operar em parceria
com a Synergetic. A ideia é fazer da Boa Terra a base de atendimento dos clientes de toda região. “A Bahia está crescendo num ritmo acelerado e a questão da água é um ponto sempre sensível para os grandes consumidores”, explica.
Tão importante quando as oportunidades de negócios, inclusive na concessão de serviços de abastecimento de municípios, como faz em Porto Feliz (SP), a ida para a Bahia ajuda o sócio da General Water a retomar o contato com sua terra natal: Alagoinhas, cidade situada a 120 km de Salvador.