Warren Buffet é um homem de hábitos curiosos e triviais. Mora na mesma casa comprada em 1958, na pequena cidade de Omaha, no Nebraska. Seu café da manhã é basicamente um sanduíche do McDonald’s ou um simples pacote de bolachas Oreo. E, nos últimos 20 anos, religiosamente, ele oferece anualmente em leilão um de seus bens mais preciosos: o seu tempo. Quem dá o maior lance tem a oportunidade de almoçar com o lendário investidor. No último mês de junho, o leilão recebeu o lance mais alto de sua história: US$ 4,5 milhões, oferecido pelo empresário chinês Justin Sun, fundador e CEO da empresa de criptomoedas Tron.

Apesar do benefício que será gerado pelo alto valor arrecadado – destinado sempre a uma instituição de caridade – não deixa de ser uma ironia que o leilão tenha sido vencido por um empresário do ramo das criptomoedas, uma vez que Buffet não é um grande fã desse tipo de investimento, pelo contrário. Entre suas críticas recentes, ele chegou a afirmar que as criptomoedas são “veneno de rato ao quadrado”, e que o Bitcoin “não faz nada, só fica ali sentado. É como uma concha do mar, ou algo assim, e isso não é um investimento para mim”. Mais curioso ainda é saber que Justin Sun cancelou o almoço alegando uma crise de pedras nos rins e ainda não marcou uma nova data. Pelo jeito, o dinheiro não deve estar fazendo falta.

Modestamente – mas com um pouco de atrevimento – discordo da opinião de Buffett. Não acho que as criptomoedas, em especial o Bitcoin, sejam veneno de rato.

A Moeda, numa definição simples, tem três funções básicas: 1) ser um meio de troca; 2) ser uma unidade de conta e 3) ser uma reserva de valor.

Por essa lógica, o Bitcoin é claramente um ‘meio de troca’: toda a mecânica por trás do Blockchain e toda a criptografia envolvida nesse ativo o credenciam para isso. Também não há dificuldade em percebê-lo como ‘unidade de conta’: objetos e serviços podem ter seu preço indicado em Bitcoin.

O ponto é que o Bitcoin não pode ser considerado ‘reserva de valor’, dado o seu comportamento de preço.

As grandes perguntas são: o preço do Bitcoin vai se estabilizar em um patamar, criando condições para que ele se torne ‘reserva de valor’? Se a resposta é sim, qual o valor intrínseco do Bitcoin?

Dá para tentar responder à primeira pergunta usando a cabeça de um value investor, avaliando condições do mercado, barreiras à entrada, vantagens comparativas e lealdade do consumidor, entre outros itens.

Liquidar transações de compra e venda em um ambiente controlado e criptografado, sem necessidade de abrir conta em banco, sem ficar preso a horários e sem pagar nenhuma tarifa é a tendência da indústria de meio de pagamentos. Portanto, a condição de contorno de mercado parece boa.

Outro ponto a favor: como não é controlada por nenhum governo, deveria ficar imune a atitudes políticas como tarifas comerciais e desvalorizações cambiais, tão comuns nos dias de hoje. Além disso, a oferta de Bitcoin é limitada, o que cria uma condição de escassez.

Do ponto de vista legal, o Bitcoin nasceu enquanto os reguladores dormiam no ponto. Quando acordaram, o ativo já estava aí, de pé, valendo milhares de dólares por unidade. Diante dessa realidade o CFTC concedeu ao Bitcoin o status de commodity, reconhecendo-o como ativo financeiro.

Novas moedas vão sofrer um processo bem mais rigoroso, haja vista a tentativa do Facebook de lançar a Libra. O projeto nem saiu do papel e já teve uma enxurrada de movimentações contrárias no Congresso Americano, assustando e afastando grandes empresas de meio de pagamentos envolvidas no projeto. O ambiente regulatório, portanto, deve se tornar uma barreira à entrada de novas criptomoedas.

Em relação às outras moedas digitais, o Bitcoin tem uma vantagem comparativa: chegou primeiro e ocupou território. Das existentes, é hoje a mais líquida e, de longe, a mais conhecida.

A grande incógnita é a lealdade do consumidor, pois sua aceitação é baixa. E esse fator é extremamente importante em qualquer análise de value investing. Para que sua aceitação seja maior, o Bitcoin precisa se tornar reserva de valor.

O grande ponto de inflexão aqui será quando – e se – as grandes redes de varejo começarem a aceitar pagamentos em Bitcoin.

Os investidores institucionais já estão começando a se mexer: nesta semana, a Fidelity, uma das maiores gestoras de recursos do mundo, obteve a autorização do poderoso Departamento de Serviços Financeiros do Estado de Nova York para oferecer custódia e negociação de Bitcoins para investidores institucionais e individuais.

Quanto a tentar modelar o valor intrínseco do Bitcoin, a análise é complexa e deixo para uma outra ocasião. Mas minha impressão é que ele tem o potencial de ser bastante maior do que o preço de hoje.

Riscos? Muitos. Esse é um mercado em formação, que chega para disputar com uma indústria forte e tradicional. Além, claro, de enfrentar a ingerência dos governos, que, eventualmente, podem vir a criar as suas próprias cryptomoedas.

Do ponto de vista de Value Investing, há pontos desfavoráveis: 1) não sabemos quem está por trás do algoritmo (ou seja, se os administradores são confiáveis); 2) se é vulnerável a um ataque de hackers; 3) o ativo não paga dividendos (“só fica ali sentado, como uma concha do mar”); 4) é um conceito novo, e ainda não provado. Ou seja, investir em Bitcoins está longe de ser garantia de lucros. Dá para entender o ceticismo de Buffett.

Se as criptomoedas terão um final feliz ou não ainda é cedo para dizer. De qualquer maneira, para um gestor de risco, a oportunidade, apesar de bastante fora da caixa, existe. Ficar de fora é uma opção, mas, no meu ponto de vista, alocar um pedaço pequeno do portfolio nesse tipo de ativo parece fazer sentido.

De qualquer maneira, aposto que qualquer investidor adoraria acompanhar o almoço de Justin Sun e Warren Buffett. Principalmente para descobrir quem vai sorrir quando chegar a conta.