Os dividendos começaram a ser taxados aqui nos EUA em 1913. Ao longo do tempo, o imposto tomou diferentes formatos e foi cobrado de várias maneiras, evoluindo eventualmente para um modelo em que os dividendos eram considerados como renda ordinária, tributável como qualquer outra renda e sujeita à alíquota de imposto de cada contribuinte. Em 2003, o governo George W. Bush defendeu a tese de que o imposto sobre dividendos era, em essência, dupla tributação. Criou-se então a figura dos dividendos qualificados: seguindo certas regras, seriam tributados por meio de alíquotas entre 15% e 20%. Hoje, a maioria esmagadora dos dividendos pagos pelas corporações americanas a seus acionistas são qualificados. A discussão, entretanto, continua viva.

Barack Obama queria que os dividendos qualificados voltassem a ser taxados como renda ordinária (cuja alíquota máxima é de 39,6%) para contribuintes com renda anual acima de US$ 1 milhão. A administração do presidente Biden trabalha com essa mesma ideia, porém com muito mais crueldade: quer dobrar o imposto sobre dividendos qualificados pagos a quem ganha acima de US$ 400 mil anuais. As novas alíquotas, que chegariam a quase 50%, seriam aplicadas também aos ganhos de capital. Obama, quem diria, era mais modesto…

O fato é que, sendo estruturado da maneira correta, o imposto sobre dividendos não é o lobo mau assoprando a casa dos três porquinhos. Como tudo na vida, é um trade-off: neste caso, entre o imposto pago pelas empresas e o imposto pago pelo acionista. Ter um imposto sobre dividendos bem calibrado, que não afaste o investidor, mas que permita que a alíquota sobre o lucro das empresas seja menor (mantendo a arrecadação fiscal) é um passo na direção correta para as empresas, para os acionistas e para o governo. O problema não é conceitual, mas sim de execução: a calibragem correta é o centro da questão. Explico.

Qualquer economia depende da relação entre capital e trabalho para gerar riqueza. Em geral, quanto maior o estoque de capital em uma economia, maior a sua capacidade de gerar produto e, consequentemente, riqueza. Em qualquer economia, quem define o estoque de capital são as empresas: cada uma determina quais serão os valores necessários para levar ao maior lucro possível. É dessa maneira que as indústrias planejam quantas máquinas precisam comprar, os agricultores decidem quantas colheitadeiras serão usadas, e assim por diante.

Quanto maior for o imposto sobre o lucro de uma empresa, menor será o benefício que ela terá em adicionar uma unidade a mais de capital. Simplificando o conceito de maneira dramática: entre comprar uma máquina ou pagar dividendos a seus acionistas, quanto maior o imposto, maior é a propensão do empresário a usar seus lucros para pagar dividendos em vez de aumentar sua capacidade instalada. O imposto funciona como um aumento do custo de capital da empresa. Assim, se todos os empresários tiverem essa mesma propensão, o estoque de capital dessa economia crescerá em ritmo mais lento, o que é o mesmo que dizer que sua capacidade de geração de riqueza crescerá menos do que poderia.

Um imposto mais baixo sobre as empresas, portanto, faz sentido do ponto de vista da formação de capital em uma economia, aumentando sua capacidade de geração de riqueza. Considerando que o governo precisa cumprir seu orçamento, porém, esse imposto mais baixo precisa ser compensado de algum lado: é aí que entra a discussão dos impostos sobre dividendos. Compensa-se o imposto mais baixo sobre o lucro das empresas tributando o beneficiário final desse lucro, que é o acionista.

Claro que isso é uma simplificação do conceito. Atualmente, parte importante da economia se relaciona com um estoque de capital intangível: não são máquinas, equipamentos ou computadores, mas softwares e algoritmos. A relação, nesse caso, é diferente: o insumo mais importante é o trabalho, e o estoque de capital se traduz no balanço não como investimento, mas como despesa. Muitas dessas empresas pagam pouco, ou nenhum, imposto, e esta discussão está bem quente. Tema para outro artigo.

O argumento principal contra os impostos sobre dividendos é o da dupla tributação. O raciocínio, que tem lógica, é que o lucro gerado pela empresa já foi tributado ao nível da empresa. Onerá-lo novamente significa tributar o mesmo lucro duas vezes – uma ao nível da empresa, outra ao nível do acionista. Os agentes, no entanto, são diferentes. E, nesse caso, a tributação afeta de maneira relevante as decisões econômicas de cada um.

O tema é difícil e complexo. Há muitas opiniões divergentes no mercado, geralmente direcionadas por posições políticas. A meu ver, a resposta está no meio do caminho. Para uma determinada carga tributária, dividi-la entre a empresa e o acionista com a calibragem correta parece ser o caminho certo. A solução em vigor nos EUA desde 2003 vem funcionando. Infelizmente, é bem provável que a necessidade de aumentar a arrecadação futura deva perturbar esse equilíbrio.

No Brasil, a discussão é extremamente saudável. A ideia de criar ainda mais um imposto gera enorme apreensão – e por bons motivos. A contrapartida da redução dramática do imposto corporativo, no entanto, parece fazer bastante sentido.

Curioso que um value investor, como eu, que vive de investir em empresas que pagam dividendos, seja favorável a um imposto sobre eles. Churchill dizia que “uma nação que pretende taxar a sua economia em direção à prosperidade é comparável a uma pessoa de pé em frente a um balde tentando levantar-se a si mesmo pela alça”. Pelo contrário: não sou a favor de impostos. Acredito sinceramente, porém, que impostos corporativos mais baixos aumentam o poder de geração de riqueza em geral, como a maré que levanta todos os barcos. Em geral, prefiro ter um naco menor de algo maior do que o contrário. Se para isso é preciso dividir a carga dos impostos com as empresas nas quais invisto, que seja esse o preço. Se bem executado e calibrado, melhor para todos nós.