04/01/2019 - 9:40
Em entrevista no Planalto logo após encontro com o presidente Jair Bolsonaro, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo, saiu em defesa da política externa do novo governo de priorizar acordos bilaterais em detrimento de discussões multilaterais. “Tenho dito com grande frequência que o caminho bilateral tem de ser trilhado e é mais efetivo sobretudo nas negociações tarifárias e acesso ao mercado”, afirmou.
Indicado pelo governo Dilma Rousseff, o diplomata foi eleito para o cargo em 2013 e reeleito em 2017. No comando do órgão, ele sempre foi um defensor dos acordos multilaterais. Em 2016, chegou a dizer que o governo Michel Temer cometia um “grande equívoco” ao priorizar acordos bilaterais.
Na conversa de quinta-feira, 3, com os jornalistas, Azevêdo disse que o sistema multilateral precisa se renovar e responder às demandas do “mundo moderno”. “Esse mundo que estamos vendo aí é completamente diferente de 15, 20 anos atrás.”
Roberto Azevêdo elogiou o novo ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que estava presente no encontro com Bolsonaro. Ele avaliou que o posicionamento crítico do chanceler a órgãos como a OMC e ao que se chama de “globalismo” “foi muito propício, compatível com tudo o que está acontecendo”. “Ele está dizendo que devemos repensar. Não vejo nenhum problema em repensar as coisas. Na OMC, nós estamos fazendo esse exercício de autocríticas e rearejando o sistema”, disse o diplomata.
Falsa dicotomia
Na avaliação dele, Bolsonaro e o chanceler não deram sinais de que pretendem “abandonar” a OMC. “Eles querem que esses organismos respondam melhor e estejam adaptados ao mundo moderno e aos interesses brasileiros, o que acho normal.” “Eu acho que há uma falsa dicotomia entre o caminho bilateral e o multilateral”, afirmou Azevêdo.
“Eles deixaram bem claro que a ideia é usar os mecanismos internacionais, a própria OMC, de uma maneira que, evidentemente, sirva aos interesses brasileiros”, afirmou o diretor-geral da OMC.”
Em seu discurso de posse, o chanceler disse que o Brasil deverá engajar-se na nova agenda da OMC. Porém, não deu detalhes sobre quais seriam os pontos de interesse do País.
Durante a entrevista no Planalto, o diretor-geral da OMC evitou comentar as reações de países árabes à declaração de Bolsonaro de que pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. “Não tratamos desse assunto”, disse. “Falamos mais no contexto geral. Não tratamos de temas particulares ou relações bilaterais. O Brasil, como 10.ª economia do mundo, tem interesses diversificados e essa complexidade do comércio brasileiro tem que ser bem avaliada pela equipe econômica.”
Crise profunda
A OMC vive uma crise sem precedentes desde o início do governo de Donald Trump nos Estados Unidos. As medidas que o presidente americano adotou na guerra comercial com a China, limitando importações do país asiático, não estão de acordo com as normas da organização internacional.
O governo norte-americano vem vetando a indicação de membros para o órgão de apelação da OMC, o que poderá levar a sua paralisia. Trump já ameaçou retirar os Estados Unidos da instituição.
Diante desse quadro, estão em curso discussões sobre a reforma da OMC. Uma proposta apresentada pelos europeus, por exemplo, prevê que algumas soluções poderão ser tomadas por grupos de países, e não pela totalidade de seus membros. E propõe uma agenda focada em temas como indústria e comércio digital.
Azevêdo teve contatos com a nova equipe de governo ainda durante a transição. Ele esteve no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Já na ocasião, comentou que mudanças na política externa não seriam necessariamente ruins.