21/07/2019 - 8:53
Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de agir “a serviço de alguma ONG”, o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Magnus Osório Galvão, disse em entrevista ao Estado que a atitude foi “pusilânime e covarde” e as declarações parecem mais “conversa de botequim”.
Galvão, que dirige o instituto ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações desde setembro de 2016, manifestou-se ontem sobre os comentários feitos na Sexta (19) por Bolsonaro em café da manhã com a imprensa estrangeira. O presidente questionou os dados fornecidos pelo Inpe sobre as taxas de desmatamento da Amazônia e disse que são mentirosos.
“Se toda essa devastação que vocês nos acusam que estamos fazendo e que já foi feita no passado (sic), a Amazônia já teria sido extinta”, disse Bolsonaro. “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos”, afirmou. “Até mandei ver quem é o cara que está à frente do Inpe para vir explicar aqui em Brasília esses dados aí que passaram para a imprensa. No nosso sentimento, isso não condiz com a realidade. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG.”
Procurado pela reportagem, o Planalto disse que não se pronunciaria sobre as afirmações de Galvão. As declarações do presidente ocorreram um dia após a imprensa destacar que o sistema Deter-B, do Inpe, que faz alertas em tempo real de focos de desmatamento para orientar a fiscalização, aponta para uma alta da perda florestal neste ano. Até sexta, o sistema registrava para julho um corte de 1.209 km2, o valor mais alto de desmatamento em um mês desde 2015. É também 102% maior do que o observado em julho de 2018. Confira os principais trechos da entrevista:
Como o sr. responde às críticas do presidente?
O sr. Jair Bolsonaro precisa entender que um presidente da República não pode falar em público, principalmente em uma entrevista coletiva para a imprensa, como se estivesse em uma conversa de botequim. Ele fez comentários impróprios e sem nenhum embasamento e fez ataques inaceitáveis não somente a mim, mas a pessoas que trabalham pela ciência desse País. Ele disse estar convicto de que os dados do Inpe são mentirosos. Mais do que ofensivo a mim, isso foi muito ofensivo à instituição.
Qual é o papel do Inpe hoje no Brasil?
O Inpe permitiu ao Brasil ser o terceiro país do mundo a receber imagens de satélite para monitoramento de desmatamento, do Landsat. Começamos isso em meados da década de 1970. Íamos a reuniões internacionais que só tinham Brasil, Canadá e Estados Unidos. O Inpe tem credibilidade internacional inatacável. O presidente não entende que não somos nós que fornecemos os nossos dados para a imprensa. Os nossos alertas de desmatamento são fornecidos ao Ibama. Isso começou ainda na gestão da ministra Marina Silva (2003-2008) por demanda do Ministério do Meio Ambiente. Os dados são acessados pelo Ibama na nossa página na internet. Estão abertos para todo mundo poder verificar. São publicados em revistas científicas internacionais. Então chamar de manipulação é uma ofensa inaceitável. Quanto a mim, fiquei realmente aborrecido, porque acho que ele fez comigo o mesmo jogo que fez com Joaquim Levy (que pediu demissão do BNDES após também ser criticado em público por Bolsonaro). Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, talvez esperando que eu peça demissão, mas não vou. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos. Eu sou um senhor de 71 anos, membro da Academia Brasileira de Ciências, não vou aceitar uma ofensa dessas. Ele que tenha coragem de, frente a frente, justificar o que está fazendo.
Não é a primeira vez que os dados do Inpe são questionados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já tinha dito isso. O governo buscou entender como o Inpe funciona?
Eles nunca fizeram uma crítica objetiva apresentando dados. Eu entendia que o ministro Ricardo Salles fazia essas críticas por falta de conhecimento. Há três semanas mandei um ofício para o Ministério da Ciência e Tecnologia falando que polêmicas não ajudavam em nada o Brasil, inclusive com relação à repercussão internacional, e propus ao ministro Marcos Pontes abrir um canal de comunicação para explicar o que fazemos, oferecer ferramentas para entenderem melhor os nossos dados e tentar arrefecer esse clima de disputa. Mandei para o ministro Marcos Pontes, mas acho que ele estava viajando. Porque quero tirar dessa polêmica algo que ele sempre declarou, que a questão (dos dados) do desmatamento da Amazônia é científica e não política e ele sempre demonstrou confiança nos dados do Inpe.
O Deter está apontando para uma alta neste ano?
O Deter é um sistema de alerta. E uma vez por ano divulgamos os dados do Prodes, esses sim são os dados realmente consolidados do desmatamento. Mas a margem de acerto do Deter é de 95%. Quando o Deter anuncia o crescimento do desmatamento, provavelmente o Prodes vai mostrar que foi isso mesmo que ocorreu.
O presidente insinuou que o sr. poderia estar a serviço de ONGs. O que diz sobre isso?
Como sou um cientista, não respondo. Um grande prêmio Nobel em Física uma vez falou que certas respostas não devem ser dadas porque são tão absurdas que não estão na natureza. Não vou responder e ele que me chame pessoalmente e tenha coragem de me dizer cara a cara isso.
Desafio
O presidente Jair Bolsonaro voltou a sugerir nesta sexta-feira que líderes europeus façam um voo entre Boa Vista e Manaus para verem que não existe, de acordo com o presidente, um problema de desmatamento no Brasil.
No começo do mês ele já tinha dito a deputados que tinha lançado o desafio à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e ao presidente francês, Emmanuel Macron, no G-20, em Osaka, Japão, no final de junho, depois que os dois se mostraram preocupados com a proteção da Amazônia. “Se eles (Merkel e Macron) encontrarem 1 km2 de desmatamento entre Boa Vista e Manaus concordaria com eles na questão ambiental”, disse, sobre as críticas que recebeu.
A equipe do Mapbiomas – rede que envolve universidades, empresas de tecnologia e ONGs na análise de imagens de satélite e na produção de mapas sobre a cobertura e o uso da terra do Brasil – aceitou o desafio e fez um voo virtual sobre o trajeto.
O cruzamento de vários dados como os do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Censipam – monitoramento feito pelo Ministério da Defesa, mostrou que entre janeiro e junho deste ano houve um desmatamento de 213 km2 na região. A análise foi feita por pesquisadores liderados pelo engenheiro florestal Tasso Azevedo.
“Um sobrevoo de Boa Vista a Manaus com o Google Earth mostra todos os desmatamentos que ocorreram no governo Bolsonaro. E foi bem mais do que apenas 1 km2”, disse Azevedo. O mapa com os pontos de 2,3 mil alertas do período pode ser visto no blog Ambiente-se, no portal estadao.com.br. O Planalto não quis se manifestar.
A região, inclusive, vem sendo alvo de ações da Polícia Federal para desarticular um esquema de exploração ilegal de madeira. A operação Florestas de Papel, deflagrada no ultimo dia 12, teve como alvo 22 madeireiras que teriam regularizado, mediante fraude, 91 mil m3 de madeira, que carregariam 8 mil caminhões. As ações aconteceram em Roraima, Mato Grosso, Amazonas, Maranhão e Pará.
A questão ambiental pode vir a ser um entrave no acordo econômico entre Mercosul e União Europeia fechado no final de junho. O tratado incluiu uma cláusula de “princípio da precaução”, que poderia ser usada para levantar barreiras em caso de dano ao ambiente, mesmo sem comprovação. /
Dados ajudam na fiscalização
O desmatamento da Amazônia é calculado oficialmente pelo Inpe. Para isso são usados principalmente dois sistemas de monitoramento: um é o Deter, que detecta o desmatamento em tempo real e produz dados diariamente que servem para orientar a fiscalização do Ibama e o combate aos crimes ambientais. Esses alertas foram fundamentais para as ações que conseguiram reduzir a taxa de desmatamento em 80% de 2005 a 2012.
O outro é o Prodes, que fornece dados consolidados sobre o que desapareceu da floresta com corte raso entre agosto de um ano a julho do ano seguinte. É o sistema que oferece a taxa oficial de desmatamento da Amazônia desde 1989. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.