29/05/2020 - 4:01
Em Veneza, restam apenas alguns, instalados em alguns cantos da lagoa. Os “squeri”, pequenos estaleiros onde são construídas as famosas gôndolas, esperam o retorno dos turistas para dar um pequeno impulso à sua atividade ancestral.
Da multidão que povoou Veneza nos tempos do pintor Canaletto, conhecido por seus panoramas da Sereníssima do século XVIII, apenas quatro “squeri” sobreviveram. Todos estão paralisados, ou quase, desde que a pandemia de coronavírus deixou a cidade sem suas icônicas gôndolas.
“Veneza sem suas gôndolas é sombria, não faz sentido”, lamenta Roberto Dei Rossi, um dos poucos carpinteiros a manter viva a tradição do “squeraoili”, os construtores desses longos barcos pretos, únicos no mundo.
“Toda vez que lanço um novo, é como assistir a um nascimento, é minha criação”, diz este veneziano de 58 anos, sorrindo.
Roberto diz que constrói, artesanalmente, de quatro a cinco gôndolas por ano. São cerca de 400 horas de trabalho para cada uma.
– Até Versalhes –
As embarcações são constituídas por 280 peças de madeira de oito tipos diferentes (carvalho, larício, nogueira, cerejeira, tília, cedro, mogno e pinho) e duas peças de metal localizadas na proa e na popa. Eles medem 10,8 metros de comprimento e 1,38 metro de largura e pesam 600 quilos.
Seus compradores são quase exclusivamente gondoleiros, que pagam entre 30.000 e 50.000 euros por sua ferramenta de trabalho, conforme o acabamento. A gôndola é feita sob medida, dependendo do peso de cada uma.
“Mas houve alguns fãs que fizeram encomendas para nós, nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão”, conta Roberto, orgulhoso.
A história conta que algumas foram dadas, com o gondoleiro incluído, pelo doge ao rei Luís XIV da França para a “flotilha real”, que percorria o grande canal do Palácio de Versalhes no final do século XVII.
A maior parte da frota está agora navegando nos canais de Veneza, movidos pelo remo dos quase 400 gondoleiros (seu número é limitado). A licença de navegador é obtida na prefeitura.
Agora, sem os casais apaixonados, devido à crise de saúde global, e após a inundação histórica do final de 2019, que já atingiu o turismo, os gondoleiros enfrentam a maré baixa no setor.
Esse longo período de inatividade forçada teve impacto nos estaleiros, onde as gôndolas também são reparadas.
É o caso do “squero” Tramontin, localizado às margens do canal Ognissanti.
Trata-se da oficina mais antiga de Veneza ainda em operação, administrada por duas irmãs desde a morte do pai, Roberto, em 2018, herdeiro de uma dinastia de “squerarioli” fundada por seu bisavô em 1884.
“Sem nosso pai aqui, faltava o mais importante. Então tivemos que nos reinventar, mas, com paciência, vamos conseguir”, afirma Elena Tramontin, de 33 anos, que quer fazer a saga de sua família perdurar, junto com sua irmã Elisabetta.
Nenhuma delas pensou que acabaria seguindo a profissão do pai. Ambas tiveram de enfrentar esse desafio, cercando-se da experiência dos “maestri d’ascia” (os “mestres do machado”), como são chamados os carpinteiros especializados em dar vida às gôndolas. Há cada vez menos desses artesãos.
“Minha irmã é responsável pelas relações públicas, pela parte cultural da atividade, o que é importante. E eu me dedico a pintar e fazer alguns pequenos reparos nos barcos. De resto, tentamos dar o máximo de trabalho possível aos artesãos à nossa volta”, conta Elisabetta, de 30 anos.
“Com esse ofício, você não fica rico. Tem que ter paixão, mas isso dá muita satisfação”, acrescenta ela, com formação em escultura, determinada a perpetuar a memória do pai e a trabalhar para que a casa “Tramontin e filhos” se transforme em “Tramontin e filhas”.