Os caminhos de ferro começam a entrar em uma nova fase de investimento pesado e de expansão da malha federal. No momento em que o Brasil ainda dimensiona os impactos socioeconômicos causados pela pandemia da covid-19 e busca alternativas para minimizar os danos à população, vem do setor ferroviário uma resposta com efeitos diretos sobre o processo de retomada do País e a matriz do transporte nacional.

O Estadão fez um levantamento detalhado sobre o que vai ocorrer nos próximos meses no setor ferroviário. O que se vê é um cenário marcado por pragmatismo, longe dos discursos oficiais que, até 2015, chegaram a prometer uma estrada de ferro que cruzaria 5 mil quilômetros entre Brasil e Peru, até alcançar o Oceano Pacífico.

Não estão mais sobre a mesa ideias megalomaníacas de cruzar o Mato Grosso rumo a Machu Picchu. O objetivo é dar passos que se convertam em investimento, geração de emprego, redução de custos e ampliação do modal. E esses passos já estão marcados pelo traçado de três grandes empreendimentos ferroviários do País.

Em Mato Grosso, um novo trecho de ferrovia sairá do município de Água Boa (MT) para avançar 383 quilômetros até a cidade de Mara Rosa (GO), onde vai se conectar ao eixo central da Ferrovia Norte-Sul. Essa obra dá início à prometida Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), por meio de um acordo já firmado com a Vale.

Contrato

O contrato será assinado até novembro e as obras começam no primeiro trimestre de 2021, com investimento total de R$ 2,73 bilhões e prazo de quatro anos para conclusão.

Na Bahia, mais R$ 410 milhões deste mesmo acordo com a Vale já foram reservados pelo Ministério da Infraestrutura para a compra de trilhos, material que vai ser usado para conclusão do trecho central de 485 quilômetros da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), entre as cidades de Barreiras e Caetité. A aquisição será feita no início do ano que vem.

Ainda no primeiro trimestre do ano que vem, vai a leilão o projeto mais ambicioso de todo o setor, a Ferrogrão, com seus 933 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) e investimentos previstos de R$ 8,4 bilhões somente em sua construção.

Juntos, esses três projetos somam R$ 13,140 bilhões de investimento 100% privado, ao longo de cinco anos, com injeção direta na economia já a partir de 2021. É uma guinada histórica no setor ferroviário. A abertura de novos trechos de estradas de ferro sempre foi marcada pela dependência do dinheiro público.

A entrada pesada das empresas que acontece agora, porém, se deve a uma mudança crucial de rumo: a permissão para que as atuais concessionárias de ferrovias do País façam a renovação antecipada de seus contratos. Essas concessões realizadas na década de 1990 – e que só venceriam entre 2026 e 2028 – começaram a ser renovadas agora, por mais 30 anos.

Em troca, o governo passou a firmar acordos financeiros bilionários, por meio do chamado “investimento cruzado”, um modelo que começa a redefinir a matriz do transporte de cargas no País.

As negociações firmadas agora aliviam ainda a situação crítica encarada pelo investimento público. “A restrição fiscal e a falta de recurso da União não podem ser desculpa para não buscarmos as soluções que precisamos para expandir a participação do modo ferroviário em nossa matriz de transportes”, diz Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura.

A partir do planejamento das próprias concessionárias, a consultoria de negócios Inter.B avaliou o efeito econômico dos investimentos cruzados desenhados para todo o setor, até 2026. Sem a renovação antecipada das concessões, as empresas têm planos de injetar R$ 24,4 bilhões em suas operações nesse período.

No cenário em que os acordos são firmados antecipadamente, porém, esse investimento privado salta para R$ 43,6 bilhões, ou seja, são R$ 19,2 bilhões a mais para serem aplicados na ampliação de ferrovias em todo o País.

Favorável

É esse cenário que leva o diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, a classificar o momento atual como o mais favorável desde o processo de privatização da antiga estatal RFFSA, concluído entre 1996 e 1998.

“Há uma expectativa muito concreta e de curtíssimo prazo de investimentos privados robustos, sem paralelo, talvez, até mesmo com o ciclo inicial pós-desestatização do setor.”

A materialização desses novos projetos, porém, ajuda a pavimentar o caminho para que as ferrovias, que respondem por cerca de 15% do transporte de cargas do País, alcancem a meta do Plano Nacional de Logística e cheguem a 30% até 2025.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.