A procuradora Viviane Martinez, pivô da renúncia coletiva da Lava Jato São Paulo nesta semana, acusou a força-tarefa de concentrar a distribuição de processos criminais. A medida, segundo ela informou à Procuradoria-Geral da República em maio, levou a um vasto acervo de casos dentro da Lava Jato que superava o total investigado pelo próprio 5º Ofício, a qual estava vinculada.

A atuação de Martinez, que era a procuradora natural da Lava Jato, foi duramente criticada pela força-tarefa em carta enviada ao Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Além de explicar os motivos da renúncia, os procuradores acusam a colega de impôr ‘resistência ao aprofundamento da investigações em curso’ – o cúmulo teria sido a solicitação para adiar uma operação que atingiria o senador José Serra (PSDB-SP), investigado por lavagem de propinas da Odebrecht nas obras do Rodoanel Sul.

Os atritos, contudo, ocorrem desde março deste ano, quando Viviane Martinez assumiu o 5º Ofício. Em manifestação enviada a Aras, a procuradora alega que a força-tarefa da Lava Jato concentrava sozinha ‘um acervo de processos muito maior do que os ofícios especializados da Procuradoria da República de São Paulo’.

Segundo Martinez, um mês depois de assumir o cargo, ela notou que ‘um contingente muito grande de processos’ eram remetidos à Lava Jato sem passar por livre distribuição – ou seja, sem a possibilidade de serem levados para outros procuradores.

“Após uma reunião com membros da força-tarefa da Lava Jato São Paulo, obtive então a informação de que eles analisam as conexões de acordo com as linhas de investigação que previamente estabeleceram e que desejam se transformar em uma unidade de investigação e inteligência vinculada à PGR”, apontou.

A chefe do 5º Ofício disse que o modelo de distribuição adotado pela Lava Jato dificultou a implementação de medidas ‘para evitar o crescimento desigual do acervo do 5º Ofício Criminal, com a redistribuição dos casos não conexos’. Segundo ela, a força-tarefa concentrava acervo com 255 processos enquanto o 5º Ofício tinha 146.

“Na prática, a força-tarefa da Lava Jato SP continua sendo uma unidade de distribuição, pois os feitos são encaminhados diretamente a ela, e não ao 5º Ofício Criminal”, afirmou.

No pedido a Aras, Martinez se coloca à disposição para ‘redistribuir os feitos que não foram livremente distribuídos ao 5º Ofício’, o que de fato ocorreu, segundo a força-tarefa da Lava Jato.

Segundo os procuradores relataram ao Conselho Superior do MPF, Martinez passou a decidir monocraticamente quais casos tem ou não conexão com a Lava Jato. A medida foi uma das críticas que levaram às ‘incompatibilidades insolúveis’ relatadas no pedido de renúncia.

“Este tipo de declínio monocrático passou a se repetir com cada vez maior frequência nas últimas semanas. Ora se alegava que se estaria diante de feito que havia sido distribuído à Força-Tarefa apenas pela menção à ‘Operação Lava Jato’, ora se alegava que se estaria diante de nova investigação que não guardaria conexão com os casos do 5º Ofício”. apontou a força-tarefa.

Denúncia

A manifestação de Viviane Martinez reforça denúncia apresentada pelo procurador Thiago Lemos de Andrade, que acusou o Ministério Público Federal em São Paulo de cometer ‘grave violação’ na distribuição de processos para a força-tarefa sem passar pela procuradora natural. A manifestação levou o Conselho Nacional do Ministério Público a suspender o envio de casos diretamente para a força-tarefa. O Conselhão também cobrou explicações sobre a distribuição.

O pedido de providência foi apresentado em março por Andrade, que alega a existência de interferência política na distribuição dos processos. “Em São Paulo, os inúmeros casos sob o título guarda-chuva de ‘Lava Jato’ tramitam em diferentes varas (da Justiça), circunstância que, por si só, escancara a ausência de conexão entre eles”, acusa o procurador.

Em agosto, a Corregedoria do MPF abriu sindicância para apurar os métodos de distribuição de casos à força-tarefa bandeirante. A nova apuração foi determinada pela corregedora-geral do MPF Elizeta Maria de Paiva Ramos, que disse a interlocutores que o caso teve início com a reclamação de um integrante da Procuradoria em São Paulo. Ela, no entanto, não revelou a identidade de quem fez a denúncia.

Renúncia

As divergências internas dentro do MPF em São Paulo levaram à renúncia coletiva dos sete integrantes que compõem a força-tarefa da Lava Jato. Um oitavo procurador, que fazia parte do grupo, já estava de saída agendada. Segundo o grupo, a debandada ocorreu por ‘incompatibilidades insolúveis’ com a procuradora Viviane Martinez.

Os procuradores destacam que desde o começo o envolvimento de Viviane Martinez ‘pareceu muito aquém do que se esperaria de um procurador natural’, pontuando que ela nunca participou de reuniões com advogados e colaboradores, de audiências judiciais pertinentes a casos da Lava Jato ou reuniões com delegados da Polícia Federal.

Em outro momento, ela também solicitou o adiamento de uma operação que atingiria o ex-governador de São Paulo, José Serra (PSDB), investigado por lavagem de propinas da Odebrecht nas obras do Rodoanel Sul.

A atitude da procuradora deixou a percepção à força-tarefa que ela ‘estava movida pelo intento central de reduzir drasticamente seu acervo, seja alegando que parte dele teria sido distribuída irregularmente, seja pedindo para que novas investigações não fossem conduzidas’.

Viviane Martinez não se pronunciou sobre o caso até o momento. Procurado, o Ministério Público Federal também não se manifestou sobre as razões da renúncia da Lava Jato SP.