Na semana passada, a Fundação Oswaldo Cruz divulgou um estudo com números dramáticos: 14,4% dos brasileiros já perderam todos ? todos! ? os dentes. Num cenário desses, é espantoso que os maiores fabricantes do mundo briguem como cão e gato pelo mercado de creme dental. Unilever e Colgate digladiam-se há anos nesse segmento. E outra titã entrou na disputa: a americana Procter & Gamble, com a marca Crest. O produto é líder de mercado americano e rende à companhia mais de US$ 1 bilhão ao ano. A Crest esteve nas gôndolas brasileiras em 1996, mas ?desapareceu? quando o dólar disparou.

Importada dos Estados Unidos, ela voltou ao mercado custando R$ 14. Mas como vender um produto que, na nação dos desdentados, é caro por si só e, para piorar, os concorrentes diretos (Sensodyne e Aqua Fresh) custam a metade do preço e as marcas mais baratas ficam na casa dos R$ 2? O segredo, diz a Procter, é colocar a Crest nos lugares certos. Para isso, a multinacional está se valendo dos serviços da Marcas Internacionais. É a importadora de algumas marcas da Procter para o Brasil (como a batatas Pringles, por exemplo). Mas não só uma importadora. A Marcas Internacionais cuida também do marketing e da distribuição. ?Só quando a importação torna-se muito pesada é que a filial da Procter assume?, diz Leonardo Cerqueira, diretor comercial da parceira. ?A Crest não veio para brigar com marcas regionais. Queremos atender um nicho específico: o dos habitués de aeroportos, que já compram a marca no free shop.?

Por isso, a Procter está sendo cautelosa no relançamento da Crest. No ano passado, 1 milhão de unidades desembarcaram no País, sem comerciais de tevê, sem anúncios em revistas, sem outdoors nas ruas. E a ordem era essa mesmo: ir com calma. A companhia investiu US$ 2 milhões para trazer o produto de volta. A campanha de marketing prioriza varejistas, atacadistas e dentistas, numa espécie de força-tarefa de convencimento e esclarecimento. Nos supermercados, o objetivo é cavar espaço nas prateleiras mais altas. ?Se a nossa embalagem fica acima das outras marcas, a diferença é nítida: a Crest é muito maior?, diz Cerqueira. Outra artimanha: mostrar aos clientes, por meio de um cartão desenhado, que o tubo de Crest (175 gramas) equivale a três tubos e meio das marcas concorrentes (50 gramas cada e R$ 28 no total). Só depois de avançar nessa ?catequização? é que o marketing focará no consumidor final. Sobre a possibilidade de produzir a Crest no Brasil, os executivos não confirmam. Mas também não descartam.

A estratégia traçada para a Crest representa uma mudança na forma da Procter atuar no Brasil. Em 1997, quando trouxe o Ariel para enfrentar o todo-poderoso Omo, da Unilever, a Procter investiu US$ 300 milhões só em divulgação. Foi a tática do trator: entrar no mercado passando por cima. Sete anos depois, o Omo segue firme no topo do ranking. ?O Ariel teve um bom desempenho no começo?, diz um ex-executivo da Procter que pediu para não ser identificado. ?Mas a empresa não manteve o ritmo dos investimentos de marketing.? Assim, depois de um início fulminante, quando chegou a ameaçar o Omo, a participação do Ariel despencou.

No caso da Crest, o que impera é a cautela. A mesma cautela, marca registrada da Procter, impede a empresa de comentar os rumores que circulam no setor há cerca de um mês: a Procter estaria estudando a compra de um laboratório no Sul do País a fim de reforçar a sua posição no setor farmacêutico. Os executivos da empresa não confirmam, mas a suposta aquisição até que faria sentido. Há 15 anos no Brasil, com três fábricas e vivendo de produtos antigos como a pomada Hipoglós, a Procter está longe de ter aqui o gigantismo que tem no resto do mundo.