19/04/2021 - 11:52
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – A epidemia de Covid-19 já fez com que os brasileiros perdessem 1,94 ano na expectativa de vida ao nascer, e em alguns Estados essa piora passa de 3 anos, de acordo com um estudo liderado pela pesquisadora brasileira Márcia Castro, da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard.
A pesquisa foi publicada no site Medrxiv, onde são apresentados estudos em pré-publicação da área de saúde, e mostra que, apenas com os dados de mortalidade pela Covid-19 em 2020, a redução na expectativa do brasileiro pode passar de 3 anos em cinco unidades da Federação. A maior delas, o Distrito Federal que, apesar de ter a maior renda per capita do país, perdeu 3,68 anos.
A região Norte do país tem a pior situação. Lá, a população de três dos sete Estados –Amazonas, Roraima e Amapá– perdeu mais de três anos na expectativa de vida.
“Na média, as maiores quedas na expectativa de vida foram observadas nos Estados do Norte, e as menores, no Sul e no Nordeste. Os Estados do Norte e do Nordeste tem os piores indicados de desigualdade de renda, pobreza, acesso à infraestrutura, disponibilidade de médicos e leitos de hospital”, diz o estudo.
“No entanto, no Nordeste as estimativas de queda são menores. Os governadores desses Estados impuseram as medidas mais rigorosas de distanciamento, em oposição direta às recomendações do presidente (Jair Bolsonaro).”
O estudo de Castro não incluiu ainda os dados da epidemia de 2021, quando a situação no Brasil piorou muito e as mortes bateram recordes diários. Entre 31 de dezembro de 2020 e domingo agora, o número de mortes pela Covid-19 no país passou de 195.072 para 373.335, um aumento de 91,4%, o que deve ter novo impacto na expectativa de vida este ano.
As perdas pela Covid-19 vão levar a uma queda na expectativa de vida do brasileiro pela primeira vez desde a década de 1940. Entre 1945 e 2020, a expectativa de vida ao nascer aumentou constantemente de 45,5 anos para 76,7 anos, sem registrar qualquer reversão.
De acordo com o estudo, a Covid-19 fez esses índices regredirem para os registrados em 2013. Dos ganhos registrados nas últimos duas décadas, mais de um quarto se perdeu no primeiro ano da epidemia.
Os pesquisadores consideraram, nesse cenário, apenas as mortes registradas como causadas pela epidemia. No entanto, houve um aumento nos números nas mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave sem diagnóstico definido.
“Assumimos que, durante a epidemia, 90% das mortes por SRAG sem diagnóstico confirmado foram, causadas pela Covid-19. Neste cenário, a queda na expectativa de vida ao nascer estimada para o Brasil seria de 2,52 anos, sendo 2,37 anos para mulheres e 2,56 anos para homens”, apontam os pesquisadores.
O estudo ressalva que quedas na expectativa de vida são normalmente registradas durante períodos de exceção, como guerras e grandes epidemias, mas costumam se recuperar rapidamente quando a situação volta ao normal. Nos Estados Unidos, por exemplo, a expectativa de vida caiu entre 7 e 12 anos em 1918, ano da epidemia de gripe, mas em 1919 já estava maior do que em 1917.
Os autores, no entanto, apontam que a situação no Brasil não deve se recuperar tão rapidamente. A primeira das razões, apontam, é o fato de que em seu segundo ano, a epidemia no Brasil estar pior que em 2020, com mais mortes e um colapso do sistema de saúde.
Além disso, alertam, esse colapso está comprometendo o restante do atendimento em saúde, levando a uma piora no atendimento de outras doenças e na vacinação infantil. Somando-se a isso, uma crise econômica exacerbada pela pandemia e cortes nos orçamentos de saúde e educação devem piorar a capacidade do país de reagir.
“Em resumo, a mortalidade pela Covid-19 no Brasil em 2020 foi catastrófica. Os ganhos em longevidade adquiridos durante anos ou décadas foram revertidos pela pandemia. A falta de uma reposta coordenada, imediata e igualitária, baseada na ciência, assim como a promoção da desinformação, foram a marca da atual administração”, concluem os pesquisadores.
“No Brasil não falta um sistema de saúde universal ou uma rede de agentes de saúde para atender comunidades vulneráveis, ou dados e um grupo de pesquisadores capazes de desenvolver e avançar conhecimento e políticas públicas. Falta o compromisso das atuais lideranças em salvar vidas.”