03/01/2022 - 17:06
Um grupo do Ministério Público Federal (MPF) quer impedir a propaganda eleitoral em serviços como o Telegram, um aplicativo russo, na campanha política deste ano. A plataforma tem sido usada para abrigar bolsonaristas foragidos, como mostrou o Estadão, e o presidente Jair Bolsonaro incentiva apoiadores a migrar para a rede, onde conta com mais de 1 milhão de seguidores e se sobressai entre os demais pré-candidatos ao Palácio do Planalto.
A avaliação de que o Telegram não pode servir de palanque virtual para divulgar fake news é respaldada por procuradores que atuam no combate a crimes cibernéticos e vem sendo compartilhada internamente como proposta de atuação nas eleições. O argumento é baseado no fato de o aplicativo, com sede em Dubai, não ter representação no Brasil e não cumprir ordens da Justiça. O mesmo princípio se aplicaria a outras redes que passaram a ser usadas por bolsonaristas para driblar banimentos, como Gettr, Parler e Gab.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, enviou no último dia 16 um ofício ao Telegram, por e-mail, solicitando audiência com Pavel Durov, fundador da empresa. Barroso pediu um encontro para discutir cooperação contra a desinformação que circula no Telegram e afeta a confiança nas eleições. Solicitou, ainda, que Durov indique um representante para dialogar com o TSE. Até agora, não obteve resposta.
SEM LIMITE
Dados citados pelo tribunal indicam que o aplicativo está presente em 53% dos smartphones ativos no Brasil. Mesmo assim, tem ignorado pedidos de colaboração das autoridades brasileiras. Concorrente do WhatsApp, vilão digital das eleições de 2018, o Telegram permite grupos com 200 mil pessoas, além de compartilhamento irrestrito, e representa agora uma das principais preocupações da Justiça com disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e outros crimes.
Com regras de funcionamento menos rígidas, atrai extremistas banidos de redes como Facebook, Twitter e YouTube. É por meio do Telegram, por exemplo, que o blogueiro foragido Allan dos Santos continua promovendo ataques a instituições após ter contas excluídas de outras plataformas.
Bolsonaro intensificou a estratégia de convidar apoiadores para que o acompanhem no Telegram, mas não é o único pré-candidato que se comunica por esse app. Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também utiliza a ferramenta e tem cerca de 46 mil seguidores. O canal de Ciro Gomes (PDT), por sua vez, conta com 19 mil.
Diante das críticas por ter saído de férias no fim do ano passado, ignorando a tragédia provocada pelas chuvas na Bahia, Bolsonaro recorreu ao canal alternativo, nos últimos dias, para se defender. Publicou o que definiu como “verdade das informações que você jamais verá” na imprensa e listou ministérios que estão atuando para mitigar os impactos do temporal.
LEGISLAÇÃO
O entendimento que poderia barrar o Telegram na campanha é uma interpretação do que está disposto na Lei das Eleições, de 1997, na resolução sobre propaganda editada pelo TSE para as disputas de 2020 e na minuta sobre o tema para este ano. Os textos exigem que “sítios” de candidato, partido e coligações estejam hospedados em provedor de internet estabelecido no País.
Procuradores argumentam que ambos os conceitos englobam o Telegram. “Qualquer propaganda eleitoral no Telegram é completamente irregular, independentemente do seu conteúdo”, disse a procuradora regional eleitoral do Rio, Neide Cardoso de Oliveira, também coordenadora adjunta do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF.
A interpretação foi divulgada durante seminário organizado pela Procuradoria Regional Eleitoral em São Paulo, que, no início de dezembro, tratou de ações da instituição na campanha. Neide foi escalada para apresentar aos pares aspectos da legislação sobre uso da internet nas eleições. O encontro virtual foi aberto pelo vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, o número dois do procurador-geral da República, Augusto Aras, no TSE.
A principal crítica ao argumento de que é necessário impedir a propaganda eleitoral pelo Telegram reside no fato de resoluções permitirem essa prática em serviços de mensagem, redes sociais e blogs sem a exigência de hospedagem em provedores estabelecidos no País.
“Para mensagem eletrônica, que é onde o Telegram está efetivamente colocado pela Lei das Eleições, não tem a vinculação de precisar ser hospedado no Brasil”, disse a advogada Samara Castro, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). “Se vedarmos o Telegram, entendo que a gente terá uma medida excessiva.”
Doutor em Direito e diretor do InternetLab, centro de pesquisas sobre tecnologia e Direito, Francisco Brito Cruz também não considera irregular a propaganda no Telegram. “Não acho que dá para cravar que propaganda eleitoral no Telegram é proibida por definição. Propaganda paga no Telegram, sim, é proibida”, destacou Cruz.
FALHA
Para a procuradora Neide, porém, a redação dos dispositivos é falha nesse aspecto. “Embora não esteja dito claramente, não teria sentido a lei falar que os sites têm de estar em provedor estabelecido no País e o resto pode fazer o que quiser que não vamos incomodá-lo”, afirmou ela ao Estadão. “Se formos dizer que o Telegram não tem problema, mesmo não tendo representação no País, (o candidato) poderá fazer propaganda negativa, desinformação, qualquer coisa.”
O fato de o Telegram ignorar decisões judiciais provoca riscos, como o de propagandas consideradas irregulares permanecerem no ar, sem que direitos de resposta sejam concedidos. Isso não impede, no entanto, que os candidatos sejam punidos com multas por propaganda irregular.
O Ministério das Relações Exteriores informou que não cabe ao Itamaraty se envolver em atos de intimação fora da jurisdição brasileira. O Telegram se transferiu para Dubai após embates com o governo russo, sob a justificativa de que ali teria vantagens tributárias. “Para ser verdadeiramente livre você deve estar preparado para arriscar tudo pela liberdade”, escreveu nas redes sociais Pavel Durov, que costuma postar fotos enigmáticas da vida no deserto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.