01/02/2023 - 13:14
Lula segue a linha tradicional da política externa brasileira ao não tomar partido na guerra na Ucrânia. Faz sentido quando ele diz que o Brasil é “um país da paz”, que combateu sua única guerra em 1865, contra o Paraguai. E que vai parar por aí.
Ele prefere falar sobre como alcançar a paz. Por esse motivo, Lula apresentou seu veto ao envio de munição para os tanques de guerra Leopard 2, quea Alemanha e outros países da União Europeia vão enviar para que a Ucrânia possa se defender.
Fica evidente que, por trás dessa postura, está, de um lado, o sincero esforço de Lula pela paz, e é de se saudar que ele proponha uma iniciativa sob a liderança do Brasil e também da China para a mediação do conflito.
Por outro lado, o que justifica a posição de Lula são, claro, fortes interesses econômicos. O agronegócio brasileiro depende completamente de fertilizantes vindos da Rússia e de Belarus, em especial do cloreto de potássio. Sem ele, o Brasil pode esquecer seu status de “maior campo de soja do mundo”.
Disso resulta a amizade com Vladimir Putin, único ponto em comum entre Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que, poucos dias antes do início da guerra na Ucrânia, viajou para Moscou e cortejou Putin para garantir o envio de fertilizantes.
Guerras imperialistas de Putin
Mas, tão correto quanto Lula possa estar quando tenta deslanchar uma iniciativa de paz, tão errado ele está quando procura a culpa da guerra na Ucrânia, na Europa ou na Otan.
É completamente ingênuo pensar que Putin foi obrigado a atacar, como Lula e uma grande parte da esquerda no Brasil e na América Latina reiteradamente argumentam.
Na verdade, há 20 anos a Rússia conduz guerras imperialistas e criminosas nos seus entornos para expandir sua esfera de influência. A Rússia começou a guerra contra a Ucrânia já em 2014, com a anexação da Crimeia, o que é ilegal sob o direito internacional.
O erro de fato foi a Europa, em vez de reagir com rigor, achar que Putin iria parar por aí. Pois a história alemã também ensina que não se deve entregar, sem luta, a agressores e ditadores o que eles querem. Eles não vão parar por aí.
A guerra e a agressão são da natureza constituinte de seus regimes, são elas que dão estabilidade a esses regimes. A Rússia de Putin também é assim.
Ordem social fascista
Com Putin, Lula cai na teia de um maquiavélico brutal e mentiroso, que quer criar, na Rússia, uma ordem social que deixaria qualquer bolsonarista babando: militarista, nacionalista, homofóbica, hostil a minorias, sem contestação, com culto à personalidade de um líder, hostil à ciência, baseada em fake news.
É essa ordem social, em essência fascista, que Putin quer expandir para outros países. É por ela que ele usa centenas de milhares de russos, sobretudo pobres e de pouca instrução, vindos da parte asiática do país, como bucha de canhão no front; é por ela que ele destrói hospitais, residências, parques infantis, usinas elétricas, represas e mesmo vilarejos inteiros na Ucrânia com mísseis russos.
Quem, como Lula, não condena, mas procura justificar isso, se torna conivente.
Um agressor, várias vítimas
Lula diz: “Acho que, quando um não quer, dois não brigam”. Fica a pergunta: isso também vale para o conflito entre os garimpeiros e os yanomami? Assim como os russos, os garimpeiros atravessaram fronteiras ilegalmente porque achavam que muito poucos indígenas possuíam muitas terras e, com isso, impediam que brasileiros que trabalham duro, e a quem este país também pertence, pudessem gerar riqueza.
Por isso agora se negociará para que os garimpeiros fiquem com um pedaço da reserva indígena? Não, eles serão expulsos, como manda a lei. E assim como a lei brasileira vale para os garimpeiros, o direito internacional deve valer para Putin.
Com sua lógica, Lula inverte a relação de causalidade e coloca na vítima a culpa pela agressão.
Esta guerra não tem dois lados que precisam ser ouvidos: há um agressor (Putin) e várias vítimas (russos, ucranianos, países em desenvolvimento que sofrem com a falta de grãos provenientes da região em guerra).
O que é realmente trágico nessa inversão da culpa é que o Brasil e a esquerda latino-americana, no seu automático antiamericanismo, se colocam do lado de Putin e, assim, do lado de um fascista.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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