Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) – O caso envolvendo o ingresso irregular no país de joias procedentes da Arábia Saudita destinadas ao então presidente Jair Bolsonaro pode levar o ex-chefe do Executivo, a depender do resultado de investigações anunciadas por órgãos de controle, a responder pelos crimes de lavagem de dinheiro, desvio de recursos públicos (peculato), descaminho e delitos de natureza tributária, analisaram especialistas ouvidos pela Reuters.

Até o momento, cinco instituições já informaram publicamente que vão investigar o episódio, que envolve um lote de joias retido pela Receita Federal e um pacote de presentes entregue a Bolsonaro: a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a Receita Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

O ex-presidente –que está nos Estados Unidos desde dia 30 de dezembro sem previsão de retorno– já disse que não cometeu ilegalidades no caso e acionou o advogado Frederick Wassef para ajudá-lo na defesa das investigações de que será alvo, disse uma fonte com conhecimento do assunto.

Procurado, Wassef não atendeu ao pedido de comentário da reportagem.

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Em nota pública na terça-feira, Wassef informou que Bolsonaro declarou oficialmente os “bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo irregularidade em suas condutas” –ou seja, eram artigos passíveis de serem adicionados ao acervo pessoal, não apenas destinados à propriedade da União.

Uma fonte com conhecimento da estratégia de defesa disse à Reuters que, por ora, Bolsonaro vai esperar ter acesso a todos os elementos do caso para responder aos questionamentos das investigações. Até o momento, ele não foi intimado a depor.

De forma intencional, frisou a fonte, não foi dito na nota de defesa do ex-presidente se os presentes recebidos por Bolsonaro foram efetivamente declarados à Receita.

PECULATO

A PF abriu inquérito para apurar o caso após a Receita ter informado que o governo anterior não adotou os procedimentos necessários para a incorporação ao patrimônio público de joias presenteadas pelo governo saudita a uma comitiva brasileira que visitou o país em 2021.

Parte das joias, que os portadores disseram ser destinadas à então primeira-dama Michelle Bolsonaro, ficou retida na Receita Federal em Guarulhos –um conjunto avaliado em 16,5 milhões de reais–. Segundo reportagens da imprensa, o Planalto fez diversas tratativas para reavê-las.

Nesta semana, o G1 e a TV Globo divulgaram um vídeo no qual aparece um militar enviado pelo Planalto que pressiona um auditor da Receita em Guarulhos a liberar o presente retido — tudo dias antes do fim do mandato. Um segundo pacote foi entregue à Presidência e adicionado ao acervo pessoal de Bolsonaro, confirmou o ex-presidente à CNN Brasil.

O advogado tributarista Renato Aparecido Gomes disse que a PF deverá investigar a suposta existência de três crimes em relação ao acaso. O primeiro é o de descaminho, para verificar se as partes envolvidas estariam tentando se esquivar do pagamento de imposto para entrada de joias no Brasil.

O segundo suposto delito é o de peculato, quando as autoridades devem avaliar se o ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro se utilizaram do cargo para tentar se apropriar das joias em vez de destiná-las ao patrimônio da União. Por último, pode entrar no radar da PF o crime de lavagem de dinheiro, na hipótese de considerarem que eles tentaram ocultar a origem ilícita das joias.

Gomes disse que, além das investigações na esfera penal, o ex-presidente poderá ser alvo de sanções cíveis, administrativas e tributárias, se for considerado que houve tentativa de ser o real beneficiário dos presentes mediante fraude ou simulação. A punição seria a perda da mercadoria além de multa.

O especialista observou que, no caso do descaminho, é preciso que tenha havido a efetiva liberação da mercadoria, ou seja, o primeiro pacote teria que efetivamente ter entrado no país sem pagamento de tributo ou impostos devidos.

O delito de peculato, por sua vez, pode ser aplicado mesmo se o crime foi apenas tentado –não importa que tenha havido a entrada e posse do primeiro pacote por Bolsonaro. Para ele, o crime de lavagem de dinheiro, apesar de haver necessidade de maiores informações para conclusões, pode ter ocorrido eventualmente em momento anterior à entrada das joias no Brasil.

“Caso fique provado que as joias não eram um presente do regime saudita ao governo brasileiro (…), Bolsonaro precisaria regularizar a situação dos produtos, o que inclui o pagamento de tributos”, disse o advogado.

O especialista, que é do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, ressaltou que o eventual pagamento do tributo não eliminaria a possibilidade de que eventuais implicados respondessem pelo crime de descaminho.

O advogado criminalista Victor Minervino Quintiere destacou a possível investigação dos mesmos supostos três crimes citados pelo colega e defendeu que haja uma apuração minuciosa com as garantias devidas a qualquer acusado, independentemente de ideologias.

“Que seja assegurado o devido processo legal e que eventualmente, se for comprovada a hipótese inicial, que seja devidamente condenado, se não, que seja devidamente absolvido não só judicialmente, mas pela mídia principalmente”, disse.

DEFESA SEPARADA PARA MICHELLE

Bolsonaro terá uma defesa jurídica separada da de Michelle, disseram duas fontes à Reuters. A ex-primeira-dama disse nas redes sociais que não tinha conhecimento do tema. O ex-presidente tampouco tem dito a aliados próximos quando efetivamente vai voltar ao país.

Chegou-se a ventilar que poderia retornar no dia 15 –inclusive o filho Flávio Bolsonaro postou nas redes sociais a data–, mas retirou a informação logo depois.

A nova investigação deverá ser a primeira na esfera criminal aberta desde que Bolsonaro deixou o comando do país e não tem mais a garantia do foro privilegiado, o que o deixa mais vulnerável a medidas restritivas como busca e apreensão.

O ex-presidente já está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito que apura os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro e em ao menos mais quatro inquéritos. Há também ações contra o ex-presidente analisadas na Justiça Eleitoral que pedem que ele fique inelegível.

 

(Reportagem de Ricardo Brito. Edição de Flávia Marreiro)

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