09/05/2023 - 11:58
Por Lisandra Paraguassu, Bernardo Caram e Rodrigo Viga Gaier
BRASÍLIA, 9 Mai (Reuters) – Com as duas primeiras indicações ao Banco Central, em especial a de Gabriel Galípolo para o posto-chave na diretoria de Política Monetária da autarquia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva traça o caminho para introduzir contrapontos em um colegiado que hoje opera com poucas divergências, na tentativa de levar a autoridade monetária a baixar os juros no país.
Se aprovado pelo Senado, Galípolo assumirá um cargo responsável por cuidar dos instrumentos de juros e câmbio, além de orientar tecnicamente a administração das reservas internacionais do país, no que pode ser apenas o começo de seus passos na instituição.
De acordo com uma fonte que acompanhou a escolha dos nomes, Galípolo é cotado para ser indicado à presidência do BC após o término do mandato de Roberto Campos Neto, em dezembro de 2024.
Segundo esse membro do governo, a estratégia escolhida foi já colocar o ex-presidente do banco Fator no órgão como forma de pavimentar sua candidatura ao posto máximo e criar um ambiente propício de alinhamento de ideias com outros membros da diretoria em torno do “entendimento do governo sobre juros”.
Galípolo foi alçado a esse papel estratégico por conta de por sua linha direta com Lula — foi apresentado a ele pelo economista heterodoxo Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos principais conselheiros do presidente, em 2021 –, mas não apenas por isso.
O economista formado pela PUC-SP, com mestrado em economia política, se tornou um homem de confiança do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e, já na transição, usou suas conexões para fazer a ponte do futuro ministro com o mercado financeiro, ajudando a amainar a desconfiança que havia no setor com o novo governo.
Além disso, o atual secretário-executivo da Fazenda tem mais um ativo: uma relação com Campos Neto — que já o parabenizou pela indicação –, podendo azeitar a comunicação entre a atual diretoria e o governo.
Apesar das críticas estridentes de Lula ao nível atual da taxa Selic (13,75% ao ano), a ideia não é que Galípolo entre no BC como o arauto que prega a queda dos juros, segundo uma fonte com conhecimento do assunto.
A sua chegada efetiva na diretoria da autarquia deve acontecer, nos cálculos dessa fonte, quando já se aproxima a queda de juros sinalizada. Ou seja, seria uma redução “natural”, produto da rota de alinhamento já em curso.
Em declarações públicas desde que assumiu a secretaria-executiva da Fazenda, Galípolo vinha evitando reverberar as críticas do governo ao Banco Central e adotou tom moderado, apesar de alertar que a equipe econômica monitorava possíveis dificuldades no mercado de crédito.
Em conversas internas no ministério, porém, ele compartilhava da visão de membros do governo de que o momento para o BC iniciar o ciclo de baixa dos juros já chegou, considerando o estágio da inflação e da atividade, além de elementos adicionais como o temor de uma crise global e problemas em bancos na Europa e nos Estados Unidos.
A expectativa no governo é que essa visão seja apresentada no Comitê de Política Monetária (Copom) por Galípolo e também por Ailton de Aquino Santos, que comandará a diretoria de Fiscalização do BC. Segundo o relato, Santos, por sua vez, ganhou a simpatia de Lula após uma conversa recente enquanto era avaliada uma lista de nomes de servidores do BC para o cargo.
Até o momento, o Copom tem decidido os juros básicos de maneira unânime, com exceção do encontro de setembro do ano passado, no qual o BC interrompeu o ciclo de alta dos juros em decisão que teve dois votos divergentes, no sentido de promover uma alta adicional na taxa.
Os juros básicos estão no nível máximo em seis anos, o que tem gerado uma série de críticas de Lula. O mercado, segundo o boletim Focus do BC, espera que o primeiro corte na Selic virá apenas em setembro.
A ata da mais recente reunião do Copom, divulgada na manhã desta terça-feira, destacou que, se o Congresso aprovar uma regra de arcabouço fiscal considerada sólida, com base na proposta apresentada pelo governo, isso pode levar a um processo desinflacionário mais benigno.
Mas o colegiado disse que, no atual estágio da dinâmica inflacionária, o processo de redução de preços tende a ser mais lento, em meio a expectativas desancoradas, destacando que há inflação movida por excessos de demanda, em particular em serviços.
O início dos trabalhos dos dois indicados dependerá do trâmite no Senado, com agendamento de sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e votação em plenário. Por isso, não é possível afirmar se os novos diretores já estarão no posto na próxima reunião do Copom, em junho.
Lula terá neste ano mais duas vagas para indicar ao BC. Em dezembro, serão encerrados os mandatos dos diretores de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta, Maurício Moura, e de Assuntos Internacionais e de Gestão de Riscos Corporativos, Fernanda Guardado.
A previsão é que o petista alcance a maioria dos nove membros da diretoria do BC indicados pelo seu governo apenas depois de dezembro de 2024, quando serão encerrados outros três mandatos, inclusive o de Campos Neto, que estreou o novo regime de independência formal do BC, em vigor desde 2021.
Com Galípolo liderando o grupo de nomeados, Lula sela o plano de empurrar o BC a uma convergência sem, no entanto, buscar ativamente derrubar a autonomia da autarquia.
NO FIO DA NAVALHA
Esse não seria o primeiro trabalho no fio da navalha realizado por Galípolo, que teve seu nome ligado ao PT ao acompanhar a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, em um jantar com empresários em abril de 2022.
À época, pouco se sabia do porquê de um ex-presidente de banco, ligado ao mercado financeiro e que trabalhava com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), estar acompanhando a presidente de um partido de esquerda a um encontro com empresários. Galípolo foi ao jantar com Gleisi a pedido de Lula.
Um ano antes, o petista havia dito a Belluzzo que gostaria de conhecer Galípolo após ler algumas de suas ideias –o economista tem um livro com Belluzzo e é interlocutor de outro nome de ideias não ortodoxas, André Lara Resende. O contato com Lula foi o começo de um elo que não se desfez e se estendeu a Haddad.
Ambos, Haddad e Galípolo, escreveram juntos um artigo sobre a criação de uma moeda única de compensação comercial na América do Sul, citado pelo então candidato à Presidência ainda em sua campanha.
Chamado para colaborar na formulação do programa econômico do governo, Galípolo chegou a ser escanteado na transição e foi nomeado para um grupo de infraestrutura pelo então coordenador Aloizio Mercadante. Voltou ao centro das decisões com Haddad, quando Lula chamou o ex-prefeito de São Paulo para coordenar o grupo de transição de economia.
Nestes primeiros meses de governo, a proximidade de Galípolo com Haddad, que já era grande, aumentou. Número dois da pasta, ele encabeçou junto com o ministro algumas das principais formulações do ministério, do marco fiscal às negociações de modelo de crédito com a Argentina, passando pela nova proposta de lei de PPPs.
Agora, nas palavras da ministra do Planejamento, Simone Tebet, Galípolo vai para “pacificar” a pauta do BC. O desafio já começou a se mostrar. O dólar e os juros a longo prazo subiram nesta segunda-feira em reação à indicação.
(Edição de Flávia Marreiro)