As reformas radicais impulsionadas pelo ultraliberal Javier Milei desde que chegou à presidência da Argentina, há 45 dias, enfrentam obstáculos políticos, econômicos e judiciais, aos quais se somou nesta semana uma greve geral.

O destino das reformas levanta dúvidas em vários cenários:

– Como segue a crise? –

A desvalorização de 50% e a liberação dos preços impulsionaram a já alta inflação, que fechou 2023 em 211% anual e, segundo analistas, em janeiro, igualará os 25,5% mensais de dezembro. O salário mínimo é de 150.000 pesos (172 dólares ou 897 reais) e a cesta básica para um lar de quatro pessoas custa 240.000 pesos (277 dólares ou 1.435 reais).

A inflação corrói o poder aquisitivo dos salários, e também atinge as receitas das empresas.

As reservas monetárias internacionais aumentaram 4 bilhões de dólares (19,6 bilhões de reais), a 25 bilhões de dólares (123 bilhões de reais), graças ao aumento da arrecadação devido a uma alta nas exportações e a compras realizadas pelo Banco Central para reabastecer esse estoque de divisas.

O outro lado da moeda se observa no setor importador: a indústria automotriz, por exemplo, enfrenta dificuldades para juntar a quantia necessária para comprar as peças de que precisa no exterior.

O FMI recebeu com benevolência o ajuste de gastos que o governo realiza e acordou liberar um programa creditício de 44 bilhões de dólares (216 bilhões de reais) para a Argentina.

“Estamos tomando medidas que são desagradáveis e que vão contra nossas próprias convicções, como aumentar alguns impostos”, disse o ministro da Economia, Luis Caputo, na quinta-feira.

– Qual é a reação social? –

Na quarta-feira, os maiores sindicatos do país organizaram uma greve geral que mobilizou dezenas de milhares de pessoas sob o lema “A pátria não se vende”, primeira grande manifestação contra o ajuste fiscal e as reformas de Milei.

O governo minimizou o protesto, qualificou os sindicalistas de “mafiosos” e disse que manterá seu “norte”: o déficit fiscal zero em 2024, através de drásticos cortes de gastos com “a casta política”, que, segundo a oposição, afetam o funcionamento básico do Estado, aposentados e beneficiários da assistência social.

Várias pesquisas atribuem a Milei uma imagem positiva próxima à porcentagem que o levou ao poder no segundo turno de 19 de novembro, quando obteve 55,6% dos votos.

“O melhor cenário é que depois de 2023, que começou com 6% de inflação (mensal) e terminou com 25,5% e 211% de inflação acumulada, é que o ano de 2024 inicie na casa dos 22,5% e termine na faixa dos 6%, e que a inflação acumulada seja de 200”, resumiu a economista Marina Dal Poggetto, diretora-executiva da Eco Go Consultores.

Mas advertiu que a governabilidade é um dos vértices – junto com os programas de estabilização e reformas – que Milei precisa dominar, e este aspecto ainda é “um grande sinal de interrogação”.

– O que o Congresso debate? –

Milei enviou a um Congresso muito fragmentado – seu partido é a terceira minoria – uma “Lei Ómnibus” de 660 artigos com reformas de leis e normas de todo tipo, cuja meta central é reduzir o papel do Estado e liberalizar ao máximo o sistema econômico.

Por causas das objeções da oposição, o governo retirou quase 150 reformas do texto, mas só conseguiu obter um pequeno apoio para debater a lei na próxima semana.

A oposição rejeita impostos a exportações regionais, diminuição de aposentadorias, o controle por parte do Executivo de um fundo de pensão de mais de 20 bilhões de dólares (98 bilhões de reais), privatizações e a delegação de faculdades legislativas ao governo.

A consultora Abeceb indicou em seu último relatório, em referência às medidas de Milei, que a “Argentina é um país com um longo histórico de reformas – de diferentes orientações -, quedas por falta de apoio político ou de consistência técnica”, e advertiu sobre a “insegurança jurídica” que implica nesta “mudança frequente de regras do jogo”.

– Por que a Justiça intervém? –

A outra grande iniciativa política e econômica de Milei resumiu-se a um mega Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) de 366 artigos que o presidente ditou em dezembro e cuja validade a maioria dos constitucionalistas questionou.

“O DNU força limites aceitos pela Constituição, ou a viola diretamente. Dos 366 artigos, na metade não se entende qual é a circunstância excepcional que impede esperar o trâmite de uma lei”, resumiu o constitucionalistas Félix Lonigro.

A Justiça já aceitou mais de 60 recursos contra o DNU apresentados por sindicatos, províncias, organizações e particulares. Algumas decisões suspenderam parte do mega decreto (seu capítulo trabalhista) e a Suprema Corte pode declará-lo inconstitucional definitivamente.

Antes, o Congresso deve analisar a “necessidade e urgência” do DNU, que pode ficar invalidado politicamente somente com a rejeição em ambas as câmaras.