20/03/2002 - 7:00
“Se o PT lançar alguém com uma cara mais bonita que a do Lula, terá mais chances”
“Duhalde quebrou tantos contratos que a Argentina perdeu pelo menos mais uma década”
DINHEIRO ? Como o sr. vê a economia brasileira três anos após a desvalorização?
ARTURO PORCEKANSKI ? Certamente houve progressos, não nas reformas estruturais, mas a âncora fiscal tem sido eficiente. A grande expectativa dos investidores internacionais é que, com as eleições, a política fiscal não seja mudada para pior, com um novo ciclo de gastos públicos. É muito importante que o próximo governo dê sinais de que as regras do jogo não serão alteradas. Muitas decisões estão paralisadas à espera de um horizonte político e internacional mais claro. A questão é: será que depois de FHC, Malan e Armínio, o Brasil ainda será um bom destino para os investimentos?
DINHEIRO ? Em um relatório recente, o ABN diz que há um consenso densenvolvimentista no Brasil, contra o modelo monetarista atual. Isso é bom ou ruim?
PORCEKANSKI ? É compreensível que haja um certo desgosto na América Latina em relação ao modelo neoliberal. Muitos acreditaram ? inclusive eu ? que, com o fim da hiperinflação, a abertura comercial e políticas monetárias e fiscais mais sadias, o ambiente de negócios seria bom e o crescimento seria alto. Mas a verdade é que os últimos quatro anos têm sido muito difíceis para os países emergentes. Os preços dos produtos exportados caíram, o investimento financeiro diminuiu e os bancos internacionais têm cortado seus limites de exposição a esses mercados. Mas parte da responsabilidade cabe à classe política. Os presidentes fizeram reformas em seus primeiros mandatos e não mantiveram o ímpeto nas gestões seguintes. Isso vale para Alberto Fujimori, Carlos Menem e Fernando Henrique.
DINHEIRO ? A reeleição foi um erro?
PORCEKANSKI ? É muito curioso que todos eles tenham pedido um mandato a mais, mesmo modificando a Constituição, e não tenham feito muita coisa depois. E também não fizeram o suficiente para garantir um sucessor. Nem Fujimori, nem Menem elegeram membros de seu partido quando deixaram o poder. O mesmo provavelmente vai acontecer no Brasil. Nas empresas, cada CEO é treinado a preparar seu sucessor. Todos que chefiam têm a obrigação de cuidar do terreno para quem vem depois.
DINHEIRO ? O que aconteceria no Brasil com um governo de oposição?
PORCEKANSKI ? Muitas vezes o que os candidatos dizem nas campanhas acabam não fazendo depois. Não há muito espaço para nadar contra a corrente, pois não há alternativa em relação à economia de mercado. Mesmo o Hugo Chávez na Venezuela acaba de anunciar um programa ortodoxo, com cortes de gastos, liberalização do câmbio e juros maiores.
DINHEIRO ? Não há mais espaço para o populismo?
PORCEKANSKI ? Acho que não. O populismo custa caro. Para isso, seria preciso ter financiamento do Banco Central, mas ninguém mais aceita a inflação. Outra alternativa seria o financiamento estrangeiro, mas os capitais só vão aos mercados em que são bem-recebidos. Assim como um político precisa de financiamento para fazer campanha, ele precisa de financiamento para fazer governo. Ainda existem alguns políticos na América Latina que sonham com a idéia de que o Estado pode agir contra as leis econômicas e as forças do mercado, mas são raros. O mais provável no Brasil é que não haja grandes mudanças.
DINHEIRO ? Nem mesmo o Lula seria visto como uma ameaça?
PORCEKANSKI ? O Lula já está se candidatando pela quarta vez. Ele é bem conhecido. Acho que o erro do PT é não tentar uma nova liderança. Se um dia eles lançarem uma pessoa com uma cara mais bonita e mais inteligente, terão mais chances. Se o Lula é o candidato, o mercado ficará um pouco preocupado, mas não é nada tão grave. O que me preocupa não é o Lula como presidente, mas a transição eleitoral com as turbulências no mercado de câmbio e todos os efeitos colaterais: juros maiores e menos crescimento econômico, mais uma vez.
DINHEIRO ? Que reformas institucionais seriam necessárias para evitar turbulências que sempre ocorrem em anos eleitorais?
PORCEKANSKI ? O problema da América Latina é que temos lideranças políticas ruins. As pessoas boas, em geral, não buscam seu futuro na política. Eu tenho a convicção de que o importante é uma focalização maior nos problemas da população. Como resolver problemas de criminalidade, saúde, poluição, corrupção, ineficiência do Estado e educação, por exemplo. O Anthony Garotinho fez um ótimo trabalho ao usar recursos do petróleo para combater a violência no Rio de Janeiro.
DINHEIRO ? Como deveria ser a plataforma econômica dos candidatos?
PORCEKANSKI ? Muitos políticos falam bobagens e ficam presos a discussões ideológicas sobre modelos de desenvolvimento. Eles teriam que abandonar isso e refocalizar o discurso nos problemas reais. São as reformas de segunda geração. Ou seja: além do que se privatizou, o que se pretende fazer com o que fica nas mãos do Estado? Esse teria que ser o foco, desde que preservadas as grandes regras do jogo e a estabilidade econômica.
DINHEIRO ? Mas a independência do Banco Central ajudaria na transição?
PORCEKANSKI ? Certamente que sim. Um político que aceita a independência do Banco Central aceita o que eu mencionei. Ele tem que se concentrar nas suas áreas e deixar que técnicos competentes, que conhecem as regras do mercado, façam o seu trabalho.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o trabalho do Armínio Fraga?
PORCEKANSKI ? Ele tem sido competente e profissionalizou o Banco Central. Alguns anos atrás, aquilo era uma caixa-preta de burocratas e intervencionistas. Só que Armínio não é um super-homem. Ele teve muita sorte. Contou com um presidente que apoiou esse projeto e lhe deu independência para aumentar ou baixar juros. Ele tem ainda um ótimo parceiro, que é o Pedro Malan, que arrumou as despesas e a arrecadação do governo. Essa âncora fiscal foi importantíssima em 2001, quando o Banco Central errou na política monetária. Em vez de uma inflação perto de 4%, fechou o ano com quase 8%. Não é um erro mínimo.
DINHEIRO ? Quanto o Brasil deve crescer nos próximos anos?
PORCEKANSKI ? Em 2002, dá para crescer uns 2,5%. A partir de 2003, com uma boa liderança política e econômica, não há por que não crescer 4% ao ano ou até mais. Mas duas condições seriam necessárias: um clima internacional mais favorável e políticas internas corretas.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a desvalorização cambial
na Argentina?
PORCEKANSKI ? Há três anos, quando o Brasil desvalorizou o real, a Argentina começou a entrar em uma outra década perdida. Não vejo nenhum cenário otimista, com ajuda externa e retomada da economia. A queda do real nem abalou muito as exportações argentinas. O grande problema é que os argentinos perderam a confiança neles mesmos. Primeiro, caiu o investimento das empresas. Depois, o consumo. Serão necessários anos e anos para estabilizar a situação na Argentina.
DINHEIRO ? Mas o câmbio, assim como no Brasil ou no México, não era o problema fundamental?
PORCEKANSKI ? O regime cambial era um componente muito importante do modelo argentino. Foi com base na promessa do um para um que se tomaram muitas decisões importantes. Estou falando de consumo, investimentos, exportações, endividamento, entre muitas outras coisas. Em 1992, eu estive em Buenos Aires e perguntei ao Domingo Cavallo e ao Roque Fernandez, que presidia o Banco Central, por que eles não haviam logo dolarizado a economia. Mas eles preferiram deixar uma porta de saída. Eu disse que era perigoso, eles concordaram, mas a tese era que, em alguns anos, os interesses pela manutenção do regime seriam tão grandes que ele jamais seria quebrado. Mas agora a convicção que eu já tinha é ainda mais forte. O povo argentino não tem confiança em nenhuma moeda que seja impressa na argentina.
DINHEIRO ? Então o peso flutuante de Eduardo Duhalde
vai fracassar?
PORCEKANSKI ? Estou convicto de que a saída dessa década perdida na Argentina, que já levou três anos e terá mais uns sete, será a adoção do dólar como moeda corrente.
DINHEIRO ? Assim como o Brasil, a Argentina não teria condições de criar um regime de metas de inflação e conquistar credibilidade?
PORCEKANSKI ? Evidente que não. Ainda muitos brasileiros não entendem as diferenças entre a Argentina e o Brasil. Uma delas é o grau de dolarização. Na América Latina, sempre houve dois tipos de desenvolvimento em ambientes de inflação alta. No primeiro, o povo espontaneamente adotou a correção monetária como método de defesa. É o caso do Brasil, da Colômbia e do Chile. Nesses países, é mais simples seguir regimes de câmbio flutuante. Outras nações, como a Argentina, o Uruguai, o Peru e a Bolívia, adotaram a dolarização de forma informal. Mas veja o caso da Argentina. Depois de tantos contratos quebrados, de tantas arbitrariedades e do congelamento dos depósitos, eu acho que ninguém terá confiança nos próximos anos em uma moeda podre argentina.
DINHEIRO ? Como será resolvida a crise bancária na Argentina?
PORCEKANSKI ? Algo importante que se fez nos anos 90 no país, na base do um para um, foi um novo sistema bancário. Instituições das províncias foram privatizadas, muitos bancos argentinos foram consolidados e nove entre os dez maiores ficaram nas mãos dos estrangeiros. Isso criou uma nova realidade. Fez com que os argentinos, em vez de poupar fora, guardassem suas economias no próprio país. Muitos repatriaram dinheiro. Mas ficou demonstrado que se você poupar em bancos estrangeiros, com depósitos em dólar, o governo tem poderes totalmente arbitrários, inconstitucionais, para avançar sobre suas contas. O sistema bancário não tem como sobreviver a essa terrível experiência. No final, a massa da poupança voluntária na Argentina será muito menor, os bancos vão encolher muito e alguns dos estrangeiros vão sair do país. Haverá alguma estatização e parte do negócio bancário argentino irá migrar para o Uruguai ou para o Brasil. A conseqüência disso é que o clima de negócios na Argentina será péssimo por muitos anos.