31/08/2025 - 12:00
O economista Marcos Lisboa destaca que, no Brasil, parte da fonte dos problemas econômicos – que inclusive permeiam o fiscal – tem a ver com a captura do Estado por grupos de interesse. Nesse sentido, avalia que companhias tem investido forte em fazer lobby e pedir favores em Brasília, panorama que distorce políticas de crescimento econômico, cria desigualdades e freia o aumento da competitividade.
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Ao Dinheiro Entrevista, frisa que o cenário é uma herança do chamado patrimonialismo brasileiro, descrito pelo autor Raymundo Faoro em livro de mesmo nome.
“Com [Getúlio] Vargas isso se radicaliza, que é uma combinação de um Estado com muito poder, pouca governança, pouca checagem que acontece; um estado com muita capacidade de conceder benefícios, sem avaliação adequada de resultados, sem mecanismos de controle e com baixa concorrência”, analisa.
“O setor privado se acostuma com isso e faz parte desse jogo. Então, o jogo no Brasil é pedir favor oficial. ‘Eu quero mais desoneração na folha, eu quero Perse para não pagar imposto de renda. Eu quero uma proteção contra a concorrência que vem da China’. O Estado tem muito poder discricionário, concede e com isso você cria essa situação consistente em que as empresas investem muito mais em lobby do que em produtividade”, completa.
O economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário do Ministério da Fazenda comenta que essa política criou um país fechado e que se distancia do progresso econômico que tem ocorrido no restante do globo, que ‘não acompanha as novidades da tecnologia e que por isso fica mais pobre’.
“O Brasil inteiro é assim? Não. O agronegócio não é assim, a ciência da computação não é assim, a medicina da USP não é assim. Mas o vetor dominante no Brasil é esse”.
A tese é de que esse cenário não é necessariamente um problema cultural, e que demanda ‘um aprendizado contínuo’.
Um cenário de maior desenvolvimento e de maior competitividade no setor privado demandaria, segundo Marcos Lisboa, uma mensuração maior das políticas por parte do setor público, maior rigor técnico e mais agências e órgãos de controle.
Da mesma forma, no debate sobre privatizações, critica uma discussão que se limita ao ‘nós contra eles’, com lados que analisam pouco os caminhos viáveis para segmentos importantes – como saneamento, serviços postais e outros serviços básicos.
“Tem que sair dessa discussão. Começa por qual é o objetivo da política pública. Meu objetivo de saneamento é um determinado, aí o próximo passo é olhar como o resto do mundo faz. Tem um boas experiências no resto do mundo? Como é que a França faz, a Alemanha faz? País arrumado. Chile tá aqui do lado, pertinho. Casos de sucesso e casos de fracasso do mundo. Como é que eles desenharam esse processo? Como é que é a regra dos contratos? Onde entra o Estado, onde não entra o Estado?”, avalia.
“Daí avaliamos nosso sistema ‘particular’, o que tem de específico no caso do Brasil, da legislação, das regras constitucionais, do sistema legal. Depois disso vamos tentar desenhar então uma melhor solução possível. E eu não tenho nenhuma paixão que seja uma empresa estatal ou privada, mas eu quero eu eu quero saneamento que funcione. Eu quero água limpa, da mesma maneira que eu quero que os alunos aprendam na escola”, completa.
Estados Unidos tem copiado o pior do Brasil, avalia Marcos Lisboa
Olhando para fora, Lisboa comenta que os EUA tem copiado justamente as práticas de má governança do Brasil sob Donald Trump.
“É muito surpreendente os Estados Unidos copiando as instituições e as regras de políticas públicas que fracassaram no Brasil”, disse Marcos Lisboa, Ex-presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda e ex-diretor do Itaú, que participou da edição mais recente do Dinheiro Entrevista.
Segundo o economista, o Brasil tem uma tradição “muito autoritária” e a governança da política pública é um ponto crítico no país – ao passo que os EUA tinha uma herança diferente, mas que tem sido dilapidada.
“Tem uma tradição no Brasil que é muito autoritária, tanto na esquerda quanto na direita. ‘Eu não quero me submeter a governança da política pública. Eu não quero ter um banco central independente, quero poder mandar no banco central. Eu entendo de juros, né? Eu quero ligar pro banco central e falar assim, baixa os juros'”, afirma.
“A boa política pública segue o a história de Ulisses: você amarra as mãos no mastro para você não poder fazer muita coisa. Se você quer boa governança, isso quer dizer o seguinte: ‘Meus caros, vocês vão ter menos poder. Todo mundo vai ter menos poder. Isso vai tornar o país mais rico’. Agora a ironia é que os Estados Unidos agora está exatamente querendo virar Brasil”, completa.
Segundo Lisboa, o ‘autoritarismo’ da atual administração de Trump impressiona, que é o mesmo visto em políticos brasileiros, independentemente da ‘coloração ideológica’.
O episódio com Marcos Lisboa, assim como os demais do Dinheiro Entrevista, está disponível no Spotify em áudio e vídeo.