13/02/2017 - 9:10
Florestas de eucalipto e canaviais ocuparam pastagens de gado e matas da Serra das Maravilhas, que separa João Pinheiro, antiga Alegres, de Brasilândia, no noroeste mineiro. É lá que em Grande Sertão: Veredas nasce o jagunço Riobaldo.
Quando Guimarães Rosa escreveu o livro, as montanhas da região pertenciam à Fazenda das Maravilhas, cujos limites atingiam praticamente todas as margens do Rio Verde, hoje um filete de água escura por onde deságuam filetes ainda menores vindos de veredas quase secas.
A fazenda pertencia a Geminiano Lemos do Prado, que fez fortuna no começo do século 20. Se fosse real, Riobaldo, criado pela mãe e “órfão de conhecença e de papéis” de pai, certamente teria sido um agregado ou vaqueiro de Geminiano. É que a propriedade ocupava praticamente toda a área, do sopé da Serra das Maravilhas ao sopé da Serra dos Alegres, ponto que Rosa assinalou como local de nascimento do personagem.
A história da família Lemos do Prado é um retrato do produtor de Minas Gerais e dos impactos de decisões governamentais e ciclos econômicos no último século. Na década de 1940, Geminiano morreu influente politicamente – subdelegado de polícia e fazendeiro. Os filhos tocaram a grande propriedade, que tinha dezenas de vaqueiros, até os anos 1970, quando o governo federal incentivou a destruição do cerrado para alimentar caldeiras do Brasil Grande. Nas duas décadas seguintes, o ciclo de carvoarias deixaria cicatrizes profundas na região, com assoreamento de córregos, aterramento de buritizais e destruição das árvores retorcidas. Quando o cerrado acabou, as carvoeiras foram embora e com elas fontes de água, vegetação nativa e qualquer perspectiva da família para garantir que a terra voltasse a dar renda.
Sem tecnologia para acompanhar a nova dinâmica da pecuária e da agricultura que floresceu nos anos 1990, os netos de Geminiano se juntaram à leva de agregados que migraram para cidades em busca de emprego. A Fazenda das Maravilhas começou a ser dividida e vendida a produtores que passaram a produzir eucalipto sem técnicas de manejo ou para grandes grupos que se instalaram para cultivar grandes áreas irrigadas. Os pequenos não tinham crédito para implantar canais e pivôs e aproveitar as águas do rio. Hoje, os bisnetos de Geminiano são mototaxistas, vendedores e diaristas em cidades mineiras e de outros Estados.
Pecuaristas de João Pinheiro estão em pé de guerra com o eucalipto. “João Pinheiro é o município de maior extensão de Minas. Tínhamos um rebanho de 400 mil cabeças. Aí entrou o eucalipto e acabou com 50% da pecuária”, afirma Geraldo Porto. Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de João Pinheiro, ele diz que a opção por eucalipto – que em suas contas ocupa 600 mil hectares no município – se mostrou um “problema”, especialmente agora que a produção das siderurgias, que consomem carvão, está em baixa. A seca que assola a região há três anos foi outro fator para o êxodo rural e a falta de água dos córregos e veredas, assim como a dificuldade de crédito agrícola e a alta dos juros. “Acabou a pecuária e não tem lavoura irrigada (na Serra das Maravilhas)”, diz, referindo-se especialmente aos pequenos proprietários. “Sem pecuária, o povo foi para a cidade procurar emprego. O que está nos salvando mais ou menos é a cana, que tem cinco usinas com irrigação de cotejamento.”
Para Adriana Maugeri, da Associação Mineira de Silvicultura, a versão de que o eucalipto seca a terra é mito. Ela estima que as 19 grandes empresas do setor no Estado têm 1,4 milhão de hectares de floresta plantada e 530 mil hectares de cerrado preservado, além de áreas de proteção permanente em altos de morro e beiras de rio. O gargalo estaria nas propriedades menores. “A fiscalização precisa ser mais abrangente.”
Soja cerca parque grande sertão veredas
A sede de Chapada Gaúcha (MG) tem ruas largas, planejadas. São poucos moradores, cerca de 10 mil, e muita poeira, especialmente nas estradas de acesso à cidade, por onde trafegam caminhões que transportam grãos. As margens das rodovias que cortam a área plana dos Gerais são tomadas de soja.
Há pouca gente nas ruas, nas estradas. Uma paisagem diferente da vista pelo bando de Zé Bebelo e Riobaldo, que pela região passou a caminho do Sussuarão, na Bahia. Os jagunços só encontraram “almas vivas” na Serra das Araras, hoje um distrito de Chapada Gaúcha. “Eu sabia que estávamos entortando era para a Serra das Araras – revinhar aquelas corujeiras nos bravios de ali além, aonde tudo quanto era bandido em folga se escondia”, narrou Riobaldo. Foi ali que, sem Diadorim saber, o jagunço ficou com a meretriz Nhorinhá. “Eu nem tinha começado a conversar com aquela moça, e a poeira forte que deu no ar ajuntou nós dois, num grosso rojo avermelhado.”
É em Chapada Gaúcha que está o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, de 231 mil hectares, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Embora o maior parque do cerrado brasileiro esteja demarcado, ambientalistas temem que transgênicos e agrotóxicos usados nos plantios de soja cheguem até os limites do parque. Aí começa a região do Matopiba, fronteira agrícola que se expande para o oeste baiano e os cerrados de Piauí, Maranhão e Tocantins.
A delimitação do parque, em 1989, não chegou às terras ocupadas pelos gaúchos desde os anos 1970, mas incluiu lotes de moradores antigos, como os Paçocas. O clã está no sertão há mais de um século e sofre com uma indefinição. Eles continuam nas terras à espera de indenização do governo. Enquanto isso, não podem fazer melhorias na propriedade nem investimentos mais robustos na plantação e na criação de animais.
Antonio Teixeira de Almeida, o Tonico Paçoca, conta que o medo é ter de ir para a cidade. “Na cidade grande, o aperto tá demais. Tá tudo feio, cheio demais. Foi o tempo que se dizia: ‘Vai pra cidade com os meninos’. Hoje, não é isso, não”, afirma. “Já andei por Brasília, mas daqui não saio.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.