03/04/2017 - 10:46
Um ano depois da revelação dos documentos do escritório Mossack Fonseca, o Panamá se debate entre a satisfação de ter melhorado sua transparência e a amarga convicção de que o escândalo serviu para roubar-lhe um mercado. Agora, procura recuperá-lo sob novas regras. A informação é da Agência EFE.
A Panamá Papers (em português, Papeis do Panamá) foi uma investigação feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, sigla em inglês) sobre a indústria de empresas offshore, publicada há um ano. Esse tipo de empresa pode ser usada para esconder dinheiro e dificultar o rastreamento de seus verdadeiros donos. O ICIJ, com apoio do jornal alemão Suddeutsche Zeitung, teve acesso a 11,5 milhões de documentos ligados ao escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca. Os milhões de documentos vazados foram esmiuçados por mais de 370 jornalistas de 76 países.
Os documentos mostraram que a Mossack Fonseca, que tem escritórios em outros países, era uma das maiores criadoras de empresas de fachada do mundo. A documentação analisada apontou a criação de 214 mil empresas offshore ligadas a pessoas em mais de 200 países e territórios. As planilhas, e-mails, faturas e registros corporativos apontam que as fraudes foram cometidas nos últimos 40 anos.
A pressão externa levou o país a ceder em uma queda de braço de anos com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), enquanto o negócio das sociedades anônimas caiu em mais de 30% e os sócios do polêmico escritório estão em prisão preventiva, na Cidade do Panamá, por causa da Operação Lava Jato no Brasil.
A chanceler e vice-presidente panamenha, Isabel De Saint Malo, que liderou a cruzada para renovar o marco legal e ajustá-lo aos requerimentos da OCDE, disse à Agência Efe que o país agora “não tem nenhum tema pendente com a agenda global de transparência fiscal”.
“Após um ano dos Panamá Papers, não defendemos um manifesto, mas em nossas ações ficou demonstrado que a transparência é nossa prioridade, adotando marcos legais, compromissos e mecanismos que resultaram no reconhecimento de organizações e líderes globais que impulsionam esta agenda de cooperação internacional”, declarou Isabel.
Para a chanceler, a publicação na imprensa dos documentos do Mossack Fonseca pôs em evidência um “tema global”, o que para o Panamá foi positivo, porque permitiu ver onde estavam os problemas e acelerar uma rota traçada há quase três anos.
Ações de transparência
Em um primeiro momento, o governo tentou este caminho com um comitê de especialistas liderado pelo nobel de Economia Joseph Stiglitz. O americano e seu companheiro suíço Mark Pieth renunciaram meses depois, alegando falta de transparência do lado oficial e pouca vontade para realizar as mudanças necessárias, o que piorou ainda mais a reputação do país.
Mais tarde, em outubro do ano passado, o Panamá aderiu à Convenção sobre Assistência Administrativa Mútua em Matéria Fiscal da OCDE, que o abriu à troca bilateral automática de informação com mais de cem jurisdições.
A lei de adesão foi sancionada em fevereiro passado pelo presidente Juan Carlos Varela, anunciada como “mais um passo na estratégia do Panamá para a modernização e transformação de sua plataforma financeira e de serviços internacionais”.
Impactos econômicos
Após a revelação, em 3 de abril de 2016, em uma centena de veículos de imprensa ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, a França incluiu o Panamá em sua lista de paraísos fiscais e o mundo pôs em xeque a transparência de seu sistema legal e financeiro.
Mas as 214 mil empresas que apareceram em 11,5 milhões de documentos de quase quatro décadas da Mossack Fonseca estavam ou estão em cerca de 200 países e territórios, e utilizaram bancos de 21 jurisdições fora do Panamá.
Hong Kong, Suíça e Grã-Bretanha tinham 104.658 companhias, quase a metade de todas as sociedades opacas descobertas, supostamente destinadas à ocultação de fundos e à lavagem de dinheiro.
Durante a chuva de críticas, o chefe de gabinete do Ministério da Economia e Finanças do Panamá (MEF), Ricardo Zubieta, lembrou que a lei de sociedades anônimas do país era uma “cópia” da norma do estado de Delaware, que é um dos de menor carga fiscal dos Estados Unidos.
Por essa aparência de bode expiatório, no Panamá é popular a ideia de que o caso da Mossack Fonseca foi uma manobra para tirar mercado ao país e obrigá-lo a submeter-se a normas de transparência não cumpridas pelos “donos” do mercado.
A defesa da empresa afirmou que o centro financeiro de Miami está se aproveitando para “matar a galinha dos ovos de ouro do Panamá”, enquanto a OCDE não exige os mesmos padrões de transparência a todos os países, O advogado Jorge Hernán Rubio afirmou que os Estados Unidos e Reino Unido “fazem o mesmo que o Panamá faz ou mais”.
De 2015 a 2016, o registro de sociedades anônimas no país caiu pouco mais de 30%, no entanto, o governo assegurou que esse negócio vem decaindo desde os anos 1990. Outros indicadores melhoraram notavelmente, como o investimento estrangeiro direto, que cresceu 17,8% até o terceiro trimestre do ano passado.
Isso não significa que o país fique de braços cruzados. Recentemente o chefe do gabinete do MEF anunciou à imprensa estrangeira que o Panamá prepara um plano para diversificar sua plataforma financeira, o que implica acabar com o paradigma das offshore e diminuir a vantagem que Miami lhe tirou. Isto oferecendo produtos que levem em conta os padrões internacionais de transparência e prevenção de lavagem de capitais.
Segundo dados oficiais, a intermediação financeira aumentou 6,6% em 2016, devido ao bom desempenho dos serviços do Centro Bancário Internacional, que contribui com 10% do Produto Interno Bruto nacional.