12/02/2018 - 16:49
Na chegada a Nazaré da Mata (PE), ainda na estrada, percebe-se que a cidade ganha um colorido nesta época do ano. E não se trata de decoração carnavalesca, mas, sim, das roupas dos caboclos de lança que chegam barulhentos à cidade para o dia do encontro das nações de maracatu nesta segunda-feira, 12. O tradicional cortejo com quase 100 grupos toma a praça da cidade, se renovando com as mulheres.
Com cerca de 30 mil habitantes e a uma hora, em média, da capital Recife, a cidade localizada na zona da mata pernambucana é o centro da cultura do maracatu rural (ou de baque solto), que está intimamente ligada às plantações de cana-de-açúcar, muito tradicionais em toda a região. O som do batuque das alfaias (instrumento do maracatu de baque virado) não está ali. O que move o desfile são as alegorias das roupas da corte e dos caboclos de lança, além dos mestres puxadores, que fazem a rima e conduzem o cortejo.
Um carnaval menos folião e mais para ser visto. Trabalhador de um engenho de cana, Biu Profino é caboclo de lança há 23 anos no grupo Estrela Brilhante. Para ele, o maracatu não se resume ao carnaval. “A gente ensaia o ano inteiro nos barracões, é a diversão pra gente que trabalha na cana”, disse enquanto se vestia com a roupa de cerca de 20 kg para a apresentação.
A figura do caboclo de lança, que simboliza a proteção dentro do cortejo, costuma ser encarnada por homens que são respeitados dentro das comunidades. Mas agora isso não é mais regra. Nesta segunda-feira, um dos primeiros grupos a se apresentar foi o Coração Nazareno, formado apenas por mulheres de uma associação da cidade.
Se na tradição, o papel de mulher se resumia às rainhas da corte ou baianas e à confecção das roupas, o grupo prova que elas também podem ser as guerreiras do grupo. “Alguns ainda olham torto. Mas levantamos a nossa bandeira”, disse Cristina Mota, mestra da agremiação. O grupo este ano saiu com o tema “Eu quero amor e paz: deixe sua violência para trás”, contra a violência doméstica.
Contrariando a tradição há 8 anos, a auxiliar de abate Cristina França, desde sempre, desfilou com a roupa dos caboclos de lança. Ela viajava em um ônibus com os outros caboclos – no caso, todos homens. “Eu ia pro ônibus das baianas para trocar de roupa, porque não podia lá”, comentou. Neste ano, ela passou a fazer parte da turma das mulheres. “É bom, né? O que acontece aqui, fica entre as mulheres”. O evento acontece nesta segunda e na terça-feira, 13. Os maracatus rurais também podem ser vistos no carnaval de Olinda, no bairro da Cidade Tabajara.