07/11/2018 - 9:00
“Este é o Dia 1 da Internet e, se executarmos bem, será também para Amazon.com. Hoje, o ecommerce economiza dinheiro e um tempo precioso dos clientes. Amanhã, através da personalização, o comércio online irá acelerar o processo de descoberta. A Amazon.com usa a Internet para criar valor real para seus clientes e, fazendo isso, espera criar uma franquia duradoura, inclusive em grandes e estabelecidos mercados”.
A primeira carta de Jeff Bezos aos acionistas no ano em que abriu seu capital, em 1997, é uma prova histórica de quão visionário já se demonstrava o fundador da maior empresa global de comércio eletrônico, batizada com o nome do nosso grandioso rio, uma premonição, talvez uma certeza, de onde sua aventura nos primeiros dias da Web poderia levá-lo.
E levou mesmo.
Em 4 de setembro passado, 23 anos depois de vender seu primeiro livro (Fluide Concepts and Creative Analogies: Computer Models of The Fundamental Mechanisms Of Thought, de Douglas Hofstadter), a Amazon alcançou US$ 1 trilhão de valor de mercado, seguindo o feito da Apple (tema do meu último artigo – a Apple quer sua voz), a primeira empresa no mundo a ter atingido a marca trilionária somente um mês antes, em 2 de agosto.
Se você ainda não investiu na Amazon pode se arrepender. Quando abriu seu capital na Nasdaq, apenas 3 anos depois da fundação, sua ação foi precificada em US$ 18. No momento do fechamento deste artigo, estava sendo vendida a US$ 1,642.81. No dia em que atingiu valuation de US$ 1 trilhão, a cotação era de US$ 2,050.50. Se você tivesse investido US$ 100 no IPO da empresa, no último dia de agosto passado teria aproximadamente US$ 120 mil, um lucro de mais de 120.000%!
Minha aposta é de que nos próximos anos a companhia, que foi fundada na garagem de Bezos em Seattle em 1994 com apoio financeiro dos pais, se consolidará como a maior empresa multimercados do planeta. Há muitos motivos para acreditar nisso. De um faturamento anual anunciado na primeira carta, em 1997, na casa dos US$ 148 milhões, a Amazon deve encerrar 2018, 24 anos depois de abrir suas portas, batendo os US$ 200 bilhões – a Apple levou 39 anos para atingir a mesma receita, o Walmart 40 anos, a Toyota 70 anos e a Exxon Mobil 130 anos.
A fórmula de Bezos que trouxe sua criação até aqui é bem conhecida: a cultura “costumer centric”, colocando, desde os primeiros dias, os clientes como seu principal ativo, oferecendo a melhor experiência de compra ao longo de todo ciclo e, mais que isso, produtos e serviços que atendam qualquer, mas qualquer mesmo, necessidade, seja no ambiente virtual ou real.
Precisa comprar um livro? Amazon. Uma garrafa de vinho? Amazon. Esqueceu dos ingredientes para preparar o jantar? Amazon. Um brinquedo, um smartphone, um tênis, ração pro cachorro, uma frigideira, uma música (mais de 45 milhões de canções disponíveis) em formato digital? Amazon, Amazon, Amazon, Amazon, Amazon, Amazon. A loja vende online mais de 600 milhões de itens em mais de 25 categorias para mais de 300 milhões de usuários registrados, abocanhando quase 50% do varejo online nos Estados Unidos. Somente no Cyber Week de 2017, comercializou 140 milhões de produtos.
E é atendendo qualquer necessidade de seus clientes que a Amazon conseguiu reunir o mais valioso banco de dados do planeta. Quanto mais vende, mais conhece seus hábitos de compra e os desejos que ainda nem mesmo despertaram. Como já previa em 97, a personalização será, já está sendo, o pequeno grande detalhe que manterá Bezos no topo da lista dos homens mais ricos do globo.
Antes mesmo de você saber qual será seu próximo sonho de consumo, a Amazon já estará embrulhando e entregando sua encomenda com um drone, através do serviço Prime Air, com preço competitivo, rapidez, eficiência e muitos, muitos mimos. Repare só: quanto mais te conhece, mais ela participa de todo ciclo – da criação do desejo, passando pela oferta, convertendo a venda, oferecendo o meio de pagamento e concluindo o delivery; tudo num piscar de olhos e, cada vez mais, ouvindo e falando com você.
Sim, ouvindo e falando.
É assim que os algoritmos irão interpretar e ofertar seja lá o que você precisar. É na Inteligência Artificial que reside a visão de Bezos da personalização do consumo. É na mineração de dados que está o segredo para revolucionar, como já vem fazendo, a experiência de comprar; não importa se na Amazon.com ou na Whole Foods, rede supermercadista arrematada por US$ 13,7 bilhões, a maior aquisição feita com um claro intuito: conhecer o consumidor também enquanto está no varejo físico e criar uma operação omnichannel para vender seja lá o que for, a qualquer hora, em qualquer lugar.
Afinal, Bezos sabe que o consumidor é o mesmo, esteja ele no PC, no app ou na Amazon GO, onde é só encher o carrinho e deixar a loja sem nem mesmo precisar passar pelo caixa. User experience, my friend, user experience. E, mais uma vez, personalização.
Além da personalização, a diversificação.
Para entender melhor onde estou querendo chegar, vale analisar as vendas da Amazon por área de negócios. Como mostra o gráfico abaixo, além das vendas online, que em 2017 geraram receita de US$ 108 bilhões, a Amazon faturou US$ 32 bilhões com a venda de serviços terceirizados (o marketplace foi lançado em 2000), US$ 10 bilhões com serviços de assinatura (como o Amazon Prime, criado em 2005, e o Kindle e-books, de 2007), US$ 17 bilhões com serviços de Internet na divisão Amazon Web Services (AWS), iniciada em 2006, e US$ 6 bilhões nas lojas físicas.
Agora, um de seus muitos próximos tentáculos será estendido, já está sendo, para publicidade por voz, disputado pela FAAG (Facebook, Amazon, Apple, Google) (tema que também explorei no meu artigo Sua Voz Pode Valer US$ 1 trilhão).
Assim como a Apple transformou a experiência de interface gráfica através de um hardware, o iPhone, que mudou definitivamente a forma como consumimos informações e produtos com um simples toque na tela, a Amazon entrará para história como a empresa darwiniana que deu à luz uma nova geração de consumidores algoritmizados; clientes híbridos homem-máquina influenciados por sistemas inteligentes capazes de dialogar com você.
Esta inteligência artificial de Bezos leva o nome de Alexa, a tecnologia de voz que irá sedimentar a liderança da Amazon no varejo mundial. Por que? Ora, porque o voice marketing será a nova frente que ampliará o leque de ofertas da empresa para garantir sua onipresença na vida dos consumidores, independente de fronteiras, moedas ou línguas. O Echo, seu smart speaker, tem a maior penetração no mercado americano, com uma fatia de 70%, de acordo com estudo da CIRP , contra 24% do Google Home e apenas 6% do Apple HomePod.
Enquanto Apple e Google concentram seus negócios em áreas específicas (hardware e software, basicamente), Bezos apostou em uma visão 360, criando primeiro um e-commerce e um e-marketplace com alcance global para, depois, agregar serviços de Internet (hosting, payment), entrega (drones) até chegar ao varejo físico e, com isso, estruturar um big data que, basicamente, sabe tudo (e cada vez mais) sobre você.
O que está faltando para Amazon reforçar sua atuação em todos os verticais do varejo? Sim, a publicidade.
A empresa entrou nesta seara há 6 anos e mostra fôlego para crescer. Hoje, contabiliza 4% do mercado americano contra 37% do Google e 21% do Facebook. Até o final do ano, deverá ultrapassar a Microsoft e a Verizon em vendas de anúncios digitais, ocupando a terceira posição e gerando uma receita de US$ 4,6 bilhões, segundo a eMarketer. Em 2020, a expectativa é que alcance 7% de market share em digital Ads.
A diferença crucial com seus competidores é que a Amazon, além de anunciar, vende e processa a transação. Bezos sabe o que você quer e está acelerando a criação da nova publicidade por voz. É aí que ela vai virar e ganhar o jogo do marketing digital. O avanço não será apenas na mídia display, em links patrocinados e comerciais em vídeos online. Na medida em que sua assistente de voz Alexa e seu smart speaker Echo, lançado em 2016, incorporarem serviços de publicidade, o domínio de Bezos se estenderá ainda mais também na zona hoje confortável de Zuckerberg e da Alphabet (Google).
A sutileza da estratégia de Bezos é “ouvir” o cliente. Literalmente. Cada Alexa instalada na casa dos consumidores coleta informações 24X7. Para ter uma ideia da dimensão da sua presença nos lares americanos, mais de 60% dos assinantes Amazon Prime possuem um smart speaker, ou seja, mais de 60 milhões de clientes apenas nos Estados Unidos. Alguém irá dizer que pode configurar a Alexa para não registrar nada, certo? Mas ela sempre registra, como no caso em que resolveu um assassinato.
E qual o segredo que tornou o Windows bem sucedido? Desenvolvedores.
E qual o segredo que tornou o iPhone bem sucedido? Desenvolvedores com modelo de receita.
Qual o segredo que pode tornar as interfaces de voz bem sucedidas ? Desenvolvedores com modelo de receita hospedados na nuvem (justamente uma das maiores fontes de faturamento da Amazon, a AWS).
Haverá, sim, o desafio da privacidade de dados, mas não há razões para duvidar que os voicebots se transformarão no principal eletrodoméstico da casa, ouvindo, analisando e sugerindo produtos para toda família. E, de novo, Bezos quer te surpreender. Recentemente, anunciou que irá oferecer “experiências de voz visualmente auxiliadas nos dispositivos Alexa de tela”.
Para avançar sobre o mercado de publicidade, a sempre disruptiva companhia desenvolveu uma nova linguagem batizada de Alexa Presentations Language, permitindo a criação de conteúdos de voz mesclados com GIFs, imagens, vídeos e apresentações de slides. A nova linguagem já está disponível para linha Echo e as TVs Fire e, em breve, para os dispositivos Fire Tablet e para equipamentos de terceiros com Alexa embarcado.
Em resumo, a Inteligência Artificial da Amazon irá sincronizar imagens e vídeos com as respostas da assistente, trazendo mais apelo visual para seduzir e converter vendas. A visão é de que os anúncios gráficos e em vídeo são menos intrusivos dos que veiculados apenas por voz. A publicidade em voz com recursos visuais irá abrir uma nova avenida de receita para Amazon e uma redução da dependência do smartphone. É isso que Bezos espera, já que a Alexa não roda em qualquer telefone e hoje a maior parte dos usuários acessa os assistentes de voz através de seus celulares.
Não tenho dúvidas de que o fundador da Amazon colocou sua equipe para trabalhar e superar esse desafio. E ele vencerá da melhor forma possível. Os consumidores estão se sentindo mais confortáveis usando smart speakers e outros dispositivos ativados por voz para uma variedade de tarefas diárias. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos pela PwC em fevereiro de 2018 descobriu que pesquisar informações, tocar música, enviar mensagens e fazer compras estão entre as atividades realizadas pelos usuários nos assistentes de voz.
À medida que essa confiança nas primeiras comunicações de voz cresce, também aumenta o interesse por parte das marcas. Por todo mundo, empresas de todos os setores estão começando a experimentar como esses novos canais de comunicação podem ajudá-los a interagir com seus consumidores e construir engajamento de maneira mais personalizada e sem atritos. “Uma coisa que amo nos clientes é que eles estão divinamente descontentes. Suas expectativas nunca são estáticas”, escreveu Bezos na mesma primeira carta aos acionistas. É esta eterna insatisfação que faz da sua empresa uma das mais inovadoras do mundo. E sua empresa? Está pronta para anunciar na publicidade por voz? Assim como a Amazon, é bom você começar a aprender a ouvir e, sobretudo, falar com seus clientes. E, esqueça, não será pelo call center.
Mas o leitor não deve preocupar-se enquanto as FAAG (Facebook, Amazon, Apple, Google) não resolverem o problema do vídeo abaixo, este futuro estará distante de todos.
(*) Omarson Costa é formado em Análise de Sistemas e Marketing, tem MBA e especialização em Direito em Telecomunicações. Em sua carreira, registra passagens em empresas de telecom, meios de pagamento e Internet
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