09/06/2019 - 8:16
O Brasil tem hoje uma fila de 35 acordos já negociados e assinados com outros países, mas que ainda aguardam a burocracia andar para que possam entrar em vigor. Na lista, há desde tratados de livre-comércio, que abrem mercados aos produtos brasileiros no exterior, até acordos para evitar a dupla tributação, que permitem a empresas e investidores pagarem menos impostos.
As empresas brasileiras, por exemplo, já poderiam disputar licitações para compras dos governos de Argentina, Paraguai e Uruguai – um mercado potencial de US$ 80 bilhões. Mas, apesar de um pacto nesse sentido já ter sido firmado com os vizinhos, as regras não entraram em vigor. Os brasileiros também já poderiam estar livres de pagar a tarifa de “roaming” ao usar o celular no Chile. O acerto que permitirá tal vantagem, no entanto, ainda não foi validado.
O governo vem tentando acelerar a assinatura de novos tratados. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse nesta semana que o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia deve ser firmado “em três ou quatro semanas”. Há outros em negociação, como o de livre-comércio com o Canadá. É um esforço para promover a abertura comercial do País, considerado muito fechado.
Mas o “estoque” atual de 35 acordos, compilados pela secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), indica que o problema não está somente na dificuldade em fechar novos tratados.
Após assinado, cada acordo tem de percorrer um longo caminho em Brasília. A primeira etapa ocorre no Executivo, responsável pela negociação com o outro país. Após assinado, o acordo é enviado ao Congresso. Lá, passa por comissões e pelo plenário das duas Casas. Se aprovado, é devolvido ao Executivo para que seja publicado um decreto presidencial. É a partir desse momento que as novas regras começam a valer.
O vaivém entre os Poderes é uma exigência da Constituição, que determina que o Congresso aprecie o mérito do acordo. O problema é que tanto o Legislativo quanto o Executivo têm demorado muito tempo para cumprir sua parte no processo. Em média, são quase quatro anos e meio entre a assinatura do acordo e sua entrada em vigor, indica estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que analisou 19 acordos considerados como de maior impacto econômico da lista de 35 monitorados pelo governo.
A morosidade para a validação de acordos é uma dificuldade antiga, mas nos últimos anos novos trâmites burocráticos tornaram o processo mais penoso, segundo representantes do empresariado e integrantes do governo ouvidos pelo Estado.
Desde o governo Dilma Rousseff, a Casa Civil passou a solicitar a manifestação jurídica dos ministérios afetados pelo acordo antes de enviá-lo ao Congresso. Em muitos casos, uma nova manifestação é exigida quando o texto retorna do Legislativo. No governo de Michel Temer, um decreto acabou formalizando essa praxe.
Ocorre que, ao costurar um acordo, o Itamaraty já ouve os ministérios. Segundo a secretaria executiva da Camex, o objetivo da nova consulta antes do envio ao Congresso é garantir que todos os órgãos se manifestem. A Camex admite, porém, que essa etapa constitui hoje o principal gargalo para a tramitação dos atos internacionais.
Para Diego Bonomo, gerente executivo de Assuntos Internacionais da CNI, o processo de inserção internacional do País poderia estar muito mais avançado não fosse a burocracia. “Gastamos muita energia para negociar novos acordos, mas passamos a ter um problema muito maior quando finalmente os assinamos.”
Chile
A morosidade do Executivo está emperrando, por exemplo, o acordo de livre-comércio com o Chile, considerado um dos mais modernos e abrangentes já firmados pelo Brasil. Negociado em menos de sete meses, um prazo recorde, está há seis parado no Planalto à espera da manifestação final dos ministérios para ser enviado ao Congresso.
Além da redução de tarifas para setores importantes para o Brasil, como o de carnes, o acerto com os chilenos traz medidas para reduzir o tempo de exportação e importação de produtos e facilidades como o fim do roaming em ligações para viajantes brasileiros.
Acordos de investimentos firmados pelo Brasil com os países africanos Malauí e Moçambique estão há quatro anos na fila de espera. Assinados em 2015, foram aprovados pelo Congresso em maio de 2017. Dois anos depois, ainda aguardam o decreto presidencial para que possam começar a valer. Quando entrarem em vigor, darão segurança a investimentos de US$ 5 bilhões feitos por empresas brasileiras em projetos de mineração nos dois países.
O acordo previdenciário fechado com a Suíça espera desde 2014 para entrar em vigor. Seu objetivo é facilitar o envio de funcionários do Brasil para o País europeu, e vice-versa.
Em alguns casos, o gargalo também pode estar em outro País, afirma um ex-servidor que participou ativamente de negociações comerciais e falou ao Estado sob reserva. Ele cita o caso do acordo comercial com o Peru que, firmado em 2016, ainda não foi aprovado nem pelo governo brasileiro nem pelo peruano. De lá para cá, observou essa fonte, o escândalo do pagamento de propina da Odebrecht tornou o acerto com o Brasil politicamente sensível, prejudicando a finalização do pacto por parte dos peruanos.
Camex
Atento ao problema, o governo vem debatendo formas de agilizar os trâmites necessários para que os acordos começarem de fato a valer. A secretaria executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Ministério da Economia, estuda formas de agilizar e, no limite, eliminar a etapa na qual o Executivo tem de submeter o acordo aos ministérios antes do envio do texto ao Congresso.
De acordo com o órgão, esse procedimento gera “retrabalho, redundância e tem levado a atrasos na entrada em vigor destes atos”. A ideia é criar um procedimento exclusivo para a tramitação de acordos internacionais. Sem esse novo rito previsto em lei, não é possível prescindir dessa etapa, diz o órgão.
Na tentativa de pressionar ministérios a serem mais céleres na análise dos acordos, o Itamaraty criou em 2017 uma plataforma, batizada de Concórdia, na qual é possível que qualquer um acompanhe a tramitação de acordos e saber, por exemplo, qual ministério está “segurando” sua análise.
O problema, segundo representantes do empresariado, é que nem sempre a ferramenta é precisa e, às vezes, sinaliza que um acordo está de volta à Casa Civil quando, na verdade, ainda não foi remetido ao Planalto.
Benefícios
Apesar dos ganhos esperados com a entrada em vigor dos 35 acordos, que podem abrir mercados e facilitar o comércio exterior, no curto prazo, não há garantias de que a balança comercial vai se beneficiar, afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
“No atual cenário de elevado custo Brasil, acordos comerciais não aumentam as exportações por falta de competitividade, não de mercado”, diz Castro. “Neste momento, na verdade, a eventual entrada de novos acordos podem estimular ainda mais importações”, afirma.
A AEB espera que, neste ano, as exportações brasileiras superem as importações em US$ 40 bilhões, o que representaria a segunda queda consecutiva no saldo da balança. Em 2018, o superávit foi de US$ 58,3 bilhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.