14/02/2020 - 11:03
O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), instituição jurídica secular – a mais antiga do País -, firmou posicionamento contrário à proposta de alteração da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998), com o objetivo de incluir os advogados no rol do artigo 9.º, que relaciona as pessoas sujeitas a mecanismos de controle de suas movimentações financeiras e transações comerciais.
Na sessão ordinária da última quarta-feira, 12, o plenário do IAB aprovou, por unanimidade, os pareceres dos relatores André França Barreto, da Comissão de Direito Penal, e Luiz Viana Queiroz, da Comissão de Direito Constitucional, contrários ao projeto de lei 3.787/2019, da deputada federal Bia Kicis (PSL/DF).
A presidente nacional do IAB, Rita Cortez, encaminhará os dois pareceres ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, para “providências cabíveis”.
Os relatores classificaram o projeto como “inconstitucional e atentatório aos princípios e garantias relativos ao exercício da advocacia”.
“É mais uma tentativa de criminalização da advocacia, especialmente a que atua na área criminal”, afirmou Luiz Viana Queiroz em seu parecer, sustentado pelo presidente da Comissão de Direito Constitucional, Sergio Sant”Anna. De acordo com André França Barreto, “esta não é a primeira e, ao que parece, não está perto de ser a última”.
Segundo IAB, “a parlamentar, ao justificar no projeto de lei a inclusão dos advogados e escritórios de advocacia no âmbito dos que devem ter seus fluxos financeiros monitorados, equiparou à lavagem de dinheiro os pagamentos de honorários advocatícios feitos por meio de valores suspeitos de ter origem ilícita”.
O projeto de lei propõe, ainda, alteração no Código Penal, para que sejam enquadrados no crime de receptação qualificada aqueles que receberem honorários advocatícios “sabendo que são provenientes de produto de crime”. A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão.
A deputada defende ainda que, para minimizar os riscos de se tornarem réus em ações criminais, os advogados deveriam realizar uma ampla investigação para verificar as fontes de recursos de cada potencial cliente.
Ela sugere no projeto que os advogados sejam obrigados a informar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) todos os valores recebidos de clientes.
André França Barreto criticou duramente a proposta de investigação dos clientes e disse que o projeto “visa a enfraquecer a proteção ao indivíduo frente ao Estado”. “Desde a promulgação da Carta cidadã, nos idos de 1988, jamais estivemos tão distantes da democracia”, afirmou o criminalista.
Ele comentou a importância da advocacia para a proteção da cidadania. “A Constituição Federal prevê expressamente, em seu artigo 133, a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça”.
Ainda segundo o relator, “o direito penal não está a serviço do Estado, mas do indivíduo, que tem como última fronteira não a lei, mas o advogado”.
Em seu parecer, o constitucionalista Luiz Viana Queiroz também criticou o projeto de lei. “Além de inconstitucional, a proposta é incompatível com a magnitude constitucional do direito de defesa, como também contrária ao legítimo exercício da advocacia e aos pressupostos que fundamentam a criminalização da lavagem de dinheiro”, afirmou Queiroz.
Segundo ele, o projeto fere a Constituição Federal e o Estatuto da Advocacia. De acordo com o constitucionalista, em caso de aprovação do projeto de lei pelo Congresso, a criminalização deveria ser estendida a todas as profissões.
“Certamente, não haveria razão para não abranger todo e qualquer profissional que receba justa remuneração pela prestação de serviços mediante pagamento por pessoa que ostente patrimônio que se deva supor de origem ilícita”, sugere.
Para Luiz Viana Queiroz, estariam sujeitos à criminalização de suas atividades profissionais “o funcionário que recebe salário de uma empresa que sonega impostos, o médico que cobra consulta daquele que auferiu recursos de maneira ilícita e, ainda, o candidato a cargo eletivo que recebeu doação eleitoral oficial de quem praticou um crime e destinou parte do produto da infração penal a esse fim”.