30/03/2020 - 12:59
Enquanto as grandes companhias do País têm, pelo menos, três meses de caixa para bancar todas as despesas do dia a dia sem faturar, nas micro, pequenas e médias empresas a situação é bem diferente. Segundo especialistas, a maioria não tem fluxo de caixa suficiente para bancar um período longo sem receitas.
O presidente da Trevisan Escola de Negócios, VanDyck Silveira, diz que tradicionalmente essas empresas têm 27 dias de caixa para honrar seus compromissos. “Se param de vender, podem quebrar mais rapidamente.” Além disso, elas mal conseguem se financiar no mercado mesmo em condições normais.
+ Metade das grandes empresas tem caixa para suportar até 3 meses sem receita
+ Empresas criam rede voluntária para recuperação de respiradores
Exemplo dessa dificuldade é a escalada da inadimplência das empresas pelo 11.º mês consecutivo. Em janeiro, segundo a Serasa Experian, o País teve um novo recorde: 6,2 milhões de empreendimentos com contas atrasadas e negativadas, número quase 10% superior a igual período do ano anterior.
Desse total, 94,2% são micro ou pequenos negócios, com os demais se dividindo entre médio e grande portes. Metade dos inadimplentes são do setor de serviços.
“Os atrasos vinham numa escalada desde a recessão e depois na semiestagnação. O crescimento de 1% ao ano não chega aos pequenos negócios. Por isso, o atraso nas contas só aumenta”, diz o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi.
Segundo ele, com a crise atual, o índice de inadimplência deve acelerar a alta dos últimos meses. “Nunca tivemos uma crise dessas com paralisação das atividades. Por enquanto, o que sabemos é que quem vai sofrer mais são as micro e pequenas que têm estruturas financeiras mais frágeis.”
Um problema apontado por Rabi é que 30% da dívida em atraso dessas empresas menores são com outras empresas, no chamado crédito mercantil. “A inadimplência de pessoa jurídica no Brasil não está com os bancos, mas com os fornecedores (o que provoca efeito em cascata).” Para ele, o melhor seria se fosse com o mercado bancário, uma vez que as instituições financeiras têm “mais bala na agulha para aguentar esses movimentos”.
Em muitos casos, os inadimplentes não quebram nem fecham as portas. Mas a atividade fica comprometida já que só podem comprar insumos, matéria-prima ou mercadorias à vista. “Eles perdem o acesso a crédito com taxas menos caras”, diz Rabi.
Desemprego
É nesse cenário que a crise atual chega para esse universo de empresas, responsáveis por mais de 80% dos empregos (formais e informais) no Brasil, diz Silveira, da Trevisan. Para ele, com a saúde dessas empresas debilitada, o maior risco recai sobre o mercado de trabalho. Em fevereiro, a taxa de desemprego do País estava em 11,2% e atingia 11,9 milhões de pessoas. “Essa é uma taxa muito alta e perdura há muito tempo. Antes da crise atual, já não conseguíamos empregar quem entrava no mercado de trabalho nem recolocar quem estava sem emprego.”
Ele acredita que a pandemia do coronavírus tem capacidade para jogar outros 5 milhões de brasileiros no desemprego. Isso elevaria para quase 17 milhões o número de pessoas sem emprego. “O problema é que não sabemos nem como será a volta à produção.”
Na avaliação dele, faltam medidas concretas e discussões mais sadias sobre o assunto. “Há a data de 7 de abril para flexibilizar a quarentena. Mas e se houver uma segunda onda de contaminados como parece estar ocorrendo na China? Estamos muito imediatistas.”
Nos últimos dias, cresceu a discussão sobre o tempo de lockdown (fechamento) da economia. Alguns empresários e o presidente da República, Jair Bolsonaro, defendem a flexibilização imediata da quarentena para não prejudicar a economia, apesar das orientações dos especialistas em saúde de que é preciso isolamento social para conter a proliferação do vírus.
Na sexta-feira, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, admitiu que errou na política de combate ao avanço do coronavírus na cidade italiana ao divulgar um vídeo no fim de fevereiro dizendo que Milão não deveria parar.
Lições
Na opinião do professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP), Márcio Holland, a crise provocada pelo coronavírus está só no começo, mas já deixa lições.
Uma delas é a importância da desconcentração da atividade econômica, que precisa ser mais aprofundada para aliviar o peso das políticas públicas sobre os grandes centros urbanos. “O País precisa promover mais essa distribuição da atividade econômica pelo território nacional.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.