01/04/2020 - 10:13
“Quantas pessoas moram aqui? Você teve contato com estrangeiros? Conhece as regras de higiene a seguir?”. De casa em casa, 28.000 estudantes cubanos de medicina repetem essas perguntas, incansavelmente, em busca de possíveis casos de coronavírus.
No bairro do Vedado, em Havana, a dra. Liz Caballero González, de 46 anos, acompanha dois estudantes, responsáveis por percorrerem o mesmo quarteirão todos os dias, visitando um total de 300 famílias.
Suas camisas brancas os distinguem do restante da população – não suas máscaras que, como eles, também são usadas por pedestres nas ruas da ilha. A maioria dos estabelecimentos comerciais pede aos clientes que as coloquem antes de entrar.
Cuba, que tentou preservar até o fim o fluxo turístico que impulsiona sua economia, foi um dos últimos países da América Latina a fechar suas fronteiras para não residentes, em 24 de março.
Até o momento, contabiliza 186 casos de COVID-19, incluindo seis mortes. Como precaução, 2.837 pessoas estão hospitalizadas.
Agora, deposita suas esperanças em sua rede médica, que está acima da média mundial, para impedir a propagação da doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ilha possui 82 médicos para cada 10.000 habitantes, em comparação com 32 na França e 26 nos Estados Unidos.
– Doutores “muito queridos” –
O país conta com 25 faculdades de medicina, além da prestigiada Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), onde milhares de estudantes estrangeiros estudam.
“Não temos a tecnologia de um país de primeiro mundo, mas temos uma equipe humana altamente treinada, com muita solidariedade e muito altruísmo”, diz a dra. Caballero, orgulhosa, enquanto supervisiona o trabalho de campo de seus alunos.
Esse trabalho de porta em porta “não é novidade”, explica ela.
O médico de família – um profissional designado para cada bairro e com um salário de cerca de 50 dólares por mês – realiza frequentemente a tarefa “diante de qualquer suspeita de qualquer doença transmissível”.
Mas, “15 dias atrás, aumentou de intensidade, com pesquisa ativa com 100% da população”, completou.
“Já estávamos acostumados a ir de porta em porta”, diz Susana Diaz, 19 anos, em seu segundo ano de medicina.
“Sempre há um estágio, mais ou menos em setembro-outubro, quando fazemos pesquisas sobre a dengue. E, quando a situação com o coronavírus piorou, a universidade sugeriu que fizéssemos a pesquisa”, conta a jovem.
Qualquer caso suspeito de tosse, ou febre, é imediatamente relatado ao centro médico do bairro, informa Susana.
“Muitas pessoas nos agradecem”, conta.
Os médicos são “muito queridos” aqui, confirma Maité Pérez, de 30 anos, que acabou de responder às perguntas dos alunos.
“Eu me sinto muito bem, porque eles estão cuidando da nossa saúde”, acrescenta.
Limpar os sapatos, lavar a roupa obrigatoriamente ao voltar para casa, usar uma máscara a cada saída: Maité respeita escrupulosamente todas as instruções.
Há apenas uma que é dolorosa para ela. A proibição de todo contato afetuoso, verdadeira tortura para os cubanos: “Quero abraçar minha mãe e beijá-la, mas não posso!”.
– Máscaras e cloro –
Carlos Lagos, de 83, aguenta o calor da ilha sem camisa. De sua porta, vê os estudantes diariamente. “Eles me perguntam se me sinto mal, se estou com febre, como me cuido”, explica.
O cuidado com os idosos, os mais vulneráveis ao coronavírus, é crucial, porque 20% dos cubanos têm mais de 60 anos.
“Até agora, me sinto bem e saio muito pouco!”, diz Dolores García, de 82 anos, encantada por usar uma máscara de pano: “Uma pessoa que me ama muito trouxe para mim”.
Em Cuba, ilha sob embargo americano desde 1962, muitos produtos são regularmente escassos, às vezes até sabão. E, como o álcool em gel não é abundante, é substituído por uma solução à base de água e cloro, que os cubanos derramam nas mãos.
Na ausência de máscaras médicas, muitas pessoas improvisam, fazendo máscaras de pano, como Marina Ibáñez, de 56 anos.
“Ao ver que todo mundo andava na rua sem um ‘nasobuco’ (máscara), me dei ao trabalho de sentar e fazer isso para as pessoas”, conta ela.
Com “nenhuma experiência” em costura, Marina pegou uma máscara emprestada de uma enfermeira para usar como modelo. Já costurou 50, que distribuiu para os vizinhos, e está se preparando para fazer mais.
Afinal, diz ela, “isso não tem ciência!”.