30/11/2021 - 12:41
Após dois anos de pandemia, a covid-19 pode estar sob controle, mas a incapacidade da comunidade internacional de distribuir vacinas pode prolongar ou agravar em 2022 uma pandemia que já custou milhões de vidas.
Apesar da atual explosão de casos na Europa muitos especialistas em saúde pública acreditam que o mundo agora tem as ferramentas e o conhecimento para dominar o vírus. Mas as autoridades públicas e a sociedade devem tomar decisões difíceis e, às vezes, contestadas.
“A evolução dessa pandemia está em nossas mãos”, insiste Maria Van Kerkhove, responsável pelo combate à covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), na linha de frente desde o surgimento da doença no final de 2019 na China.
Podemos “chegar a um estágio em que controlaremos a transmissão em 2022? Com certeza!”, exclama.
“Poderíamos já ter chegado, mas não chegamos”, diz ela.
Um ano após a sua chegada, as vacinas demonstraram eficácia contra as formas mais graves da doença, embora não interrompam totalmente a sua transmissão, o que permite o aparecimento de novas variantes como a delta ou a recente ômicron.
– As faces da covid –
A produção mundial deve chegar a 24 bilhões de doses em junho, quantidade em teoria mais do que suficiente para imunizar toda a população mundial.
Por enquanto, já foram administradas 7,5 bilhões de doses, mas principalmente em países ricos que, apesar dos discursos de solidariedade, distribuem vacinas para crianças e doses de reforço, enquanto as nações menos favorecidas continuam tendo grandes percentuais de população desprotegida.
Em todo o mundo, têm se repetido cenas de pacientes entubados ou acamados em corredores por falta de espaço, atendidos por médicos exaustos, além de filas intermináveis de parentes em busca de oxigênio.
A marca de centenas de piras improvisadas para incinerar as vítimas da covid na Índia refletiu a magnitude da tragédia: oficialmente 5,1 milhões de pessoas, embora a OMS calcule que pode ser duas ou três vezes mais.
Nenhum país registrou tantas vítimas quanto os Estados Unidos, com 800.000 mortes por causa da pandemia. O fluxo constante de obituários na conta @FacesofCovid (faces da covid) humaniza essa figura impessoal.
“Christopher Mehring, 56, de Dillon, Montana, morreu de covid em 2 de novembro de 2021 (…) Palavras são inúteis para descrever seu amor pelos netos.”
E a Europa, que parecia ter virado esta página, voltou à realidade pandêmica no final de 2021 com uma virulenta quinta onda que forçou os governos a retomar as restrições.
Nesta época, o movimento antivacina e antirrestrições radicalizou-se, com protestos na Holanda, França ou Bélgica.
– Ou todos ou ninguém –
Mesmo assim, os especialistas estão confiantes de que o estágio de “pandemia” pode chegar ao fim em breve.
Como no caso da gripe, o mundo pode continuar a conviver com a covid como uma doença endêmica, mas controlável, disse à AFP Andrew Noymer, epidemiologista da Universidade da Califórnia em Irvine.
Para o assessor da Casa Branca sobre a pandemia Anthony Fauci, com a vacinação essa doença “será um ruído mais ou menos alto, mas não vai nos dominar como agora”.
Mas a desigualdade no acesso às vacinas continua sendo um desafio, aumentando os desequilíbrios pré-existentes entre os países ricos, que vacinaram em média 65% da população, e os pobres, que não chegaram a 7%, segundo dados da ONU.
Como o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, repete: “ninguém está seguro se todos não estiverem.”
Quanto mais o vírus circula, é mais provável que surja uma variante mais contagiosa, mortal ou resistente à vacina.
Um exemplo são os receios gerados este mês pela detecção da variante ômicron, identificada pela primeira vez na África Austral e que a OMS descreveu como “preocupante”.
Embora a organização considere que se trata de um “risco muito alto”, ela também reconhece que, por enquanto, há muitas dúvidas sobre sua periculosidade, transmissibilidade e principalmente sua resistência às vacinas.
Os países ricos demonstrariam “miopia pensando que, ao serem vacinados, se livrariam do problema”, alerta Gautam Menon, professor de biologia e física da Universidade Ashoka, na Índia.
Uma hipótese de cenário catastrófico recentemente levantada pela OMS como um alerta seria de uma pandemia fora de controle causada por mutações cada vez mais perigosas, juntamente com outra pandemia do tipo Zika.
Nesse cenário, a confusão, a desinformação e as crises migratórias desencadeadas por doenças reduzem a nada a confiança nas autoridades políticas e científicas e afundam os sistemas de saúde.
É uma abordagem ainda mais preocupante considerando que “temos um vírus na origem da pandemia atual e muitos candidatos à próxima”, reconhece Michael Ryan, diretor para emergências da OMS.
“Certamente não é o último dos patógenos perigosos”, diz o especialista em saúde e ciência Jamie Metzl.
No entanto, a covid evolui, “é claro que nunca conseguiremos nos desmobilizar”, acrescenta.