21/01/2022 - 19:21
A proposta de zeragem dos impostos federais dos combustíveis e da energia sem a compensação da arrecadação fez disparar os prêmios da curva de juros doméstica nesta sexta-feira, em especial dos vencimentos intermediários adiante. Isso porque, embora tenha efeito desinflacionário no curto prazo, o custo bilionário da medida prejudicaria os cofres públicos nos próximos anos. E operadores comentaram que o movimento só não foi mais brusco hoje porque as taxas americanas cederam.
O contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 passou de 11,892% no ajuste de quinta-feira para 11,875% (regular) e 11,885% (estendida). O janeiro 2025 subiu de 11,063% a 11,185% (regular) e 11,17% (estendida). O janeiro 2027 avançou de 11,097% a 11,30% (regular) e 11,305%(estendida).
O diferencial negativo entre as taxas do janeiro 2023 e do janeiro 2027 passou de 8,15 pontos na sexta-feira passada a 5,75 pontos nesta sexta. Na prática, isso significa que a curva se aplanou mais, com a ponta curta perdendo um pouco de prêmio e a longa ganhando.
Depois de quase uma semana ao sabor do humor dos demais mercados – notadamente dólar e Treasuries -, hoje foram os juros que operaram mais descolados. Os agentes acompanharam com afinco os desdobramentos do plano do governo e do Congresso para zerar impostos federais de combustíveis e energia.
A ideia inicial seria a zeragem das alíquotas de PIS/Cofins sobre gasolina, diesel e etanol. A isenção poderia chegar também às contas de luz. O impacto no bolso do consumidor no caso do litro do combustível seria pequeno (entre R$ 0,18 e R$ 0,20), mas o rombo às contas públicas, bilionário.
A repórter do Grupo Estado Adriana Fernandes ouviu de um integrante da equipe econômica as simulações dos dois cenários: zerando apenas o PIS/Cofins dos combustíveis, a perda de arrecadação é de R$ 50 bilhões; se a medida se estender à energia elétrica, chega a ao menos R$ 57 bilhões. Tudo sem compensação arrecadatória.
Ao longo do dia desta sexta, os repórteres Iander Porcella e Daniel Weterman ouviram de políticos de todos os matizes ideológicos admitirem que a medida, se for adiante, deve passar no Congresso. A pressão de ser um ano eleitoral é muito forte e, a despeito de ser eleitoreira, a proposta pode ser interpretada pela população como uma resposta à alta dos preços de combustíveis e energia. “Se apresentar, acho que aprova, mas as consequências nas contas públicas serão enormes”, ponderou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (sem partido-AM).
No curto prazo, o projeto seria desinflacionário, com potencial de retirada de quase 0,9 ponto porcentual no IPCA de 2022, conforme mostrou o repórter Cícero Cotrim. Fica, contudo, o impacto para as contas públicas nos anos adiante. Daí, o comportamento da curva hoje, com a alta nos vencimentos mais longos.
“A Selic na casa de 12%, o que em tese trará a inflação para a meta em 2023. Então o prêmio tem de ir para algum lugar”, destaca o operador da Terra Investimentos Paulo Nepomuceno.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, não estaria se opondo à PEC, desde que a contrapartida seja o congelamento dos salários dos servidores. Mas Nepomuceno avalia que só isso não será capaz de deter a articulação dos funcionários públicos por reajustes. “A gente percebe que o governo entrou um pouco no populismo, que isso consegue voto. Mas é muito ruim para o fiscal, porque ainda tem a pressão do funcionalismo”, afirma o operador.
A curva brasileira ainda foi beneficiada hoje pelo comportamento dos Treasuries. Depois do susto na terça-feira, com salto até perto de 1,9%, o rendimento da T-note de 10 anos ‘acalmou’ e estava em 1,75% no fim da tarde de hoje.
Na próxima semana, as atenções do mercado estarão todas voltadas à decisão de política monetária do Federal Reserve. A expectativa é de um sinal mais claro quanto ao início da alta de juros – que o mercado precifica em março.
Internamente, a agenda está cheia. Somente na quarta-feira, tem IPCA-15, setor externo e divulgação do Plano Anual de Financiamento (PAF) pelo Tesouro.