16/02/2022 - 14:35
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) há duas décadas, Emmanoel Pereira assume nesta quarta-feira, 15, a presidência da Corte para o biênio 2022-2024 com a previsão de pautar ações sobre as implicações da pandemia nas relações de trabalho e sobre os reflexos das últimas reformas trabalhistas na legislação.
“O debate sobre a legislação deve estar focado nos novos meios de prestação de serviços. O cenário de pandemia também traz uma necessidade de revisão das regras de meio ambiente de trabalho, estipulando-se normas que assegurem a saúde dos trabalhadores e a segurança jurídica aos empregadores”, afirma em entrevista ao Estadão.
Em meio aos debates sobre a possibilidade de demissão por justa causa de funcionários que se recusarem a apresentar o comprovante de vacinação contra a covid-19, o ministro lembra que as empresas são obrigadas, por lei, a adotarem medidas de segurança de saúde.
“Assim, regras que incentivem e estimulem a vacinação devem ser prestigiadas em prol da coletividade”, defende.
O ministro assume o comando do TST no último ano de governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). No início do mandato, o presidente fez críticas ao que chamou de um ‘excesso de proteção’ ao trabalhador e chegou a dizer que estudava um projeto para extinguir a Justiça do Trabalho. Passados quase três anos, Pereira diz esperar que Bolsonaro tenha percebido o ‘equívoco’ da ideia.
“Tal ação não implicaria em uma redução dos custos e em uma melhora da entrega da prestação jurisdicional. Ao contrário, causaria um congestionamento de demandas, sem perder de vista que a existência da Justiça do Trabalho parte do pressuposto que o Direito do trabalho possui princípios jurídicos próprios que o distinguem dos demais ramos do Direito examinados pela Justiça Comum”, pontua.
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Quais serão as principais pautas que entrarão em julgamento no tribunal em 2022?
O Tribunal Superior do Trabalho, como órgão responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista nacional, é responsável pela fixação de teses sensíveis ao mundo do trabalho. Por exemplo: os reflexos das últimas reformas trabalhistas ocorridas na legislação, os desdobramentos de teses vinculantes firmadas pelo STF nos processos em curso na Justiça do Trabalho; e as implicações da pandemia nas relações de trabalho destacam-se como as principais pautas da Corte para 2022. Em caso de greves de âmbito nacional, o Tribunal Superior do Trabalho exercerá, ainda, o seu papel conciliador, perseguindo sempre o acordo entre as empresas e os sindicatos e a não paralisação de serviços essenciais à população.
Em ano eleitoral, a reforma trabalhista voltará ao centro dos debates. Na avaliação do Sr., é preciso mudanças na legislação que regula o tema? Quais?
A aprovação da CLT ocorreu faz quase 80 anos. É natural que as significativas alterações nas relações mantidas entre as empresas e os trabalhadores demandem reformas na legislação trabalhista. Com o objetivo de acompanhar a modernização dos meios de tecnologia e a ampliação das relações comerciais, o debate sobre a legislação deve estar focado nos novos meios de prestação de serviços. O cenário de pandemia também traz uma necessidade de revisão das regras de meio ambiente de trabalho, estipulando-se normas que assegurem a saúde dos trabalhadores e a segurança jurídica aos empregadores.
A Justiça ainda é algo distante de uma camada considerável da população. Como atenuar esse problema histórico?
A Justiça do Trabalho sempre se destacou como a Justiça Cidadã, pacificando os conflitos entre empregadores e trabalhadores. As regras que regulam o Processo do Trabalho são menos rígidas daquelas que disciplinam os processos que correm em outros setores do Poder Judiciário. Destaco a possibilidade de ajuizamento de ação trabalhista sem advogado e a ampla concessão de justiça gratuita, isentando do pagamento das despesas do processo as pessoas que não tenham condições para tanto. Não obstante tais peculiaridades que atenuam a dificuldade de acesso à Justiça da camada mais frágil da população, eu penso ser importante aprofundar políticas educativas já praticadas pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e pelo Tribunal Superior do Trabalho na conscientização do cidadão sobre o papel do Poder Judiciário.
A teia de recursos previstos na nossa legislação muitas vezes empurra as ações por muitos anos. Como reduzir o tempo de processo?
Sou um grande defensor da conciliação como forma de pôr fim aos conflitos. É uma via célere e que traz protagonismo aos envolvidos. Segundo o Relatório da “Justiça em Números – 2021” do Conselho Nacional de Justiça, a Justiça Trabalhista foi o segmento que mais promoveu conciliações ao longo de 2020. Paralelamente aos bons índices já alcançados, acredito ser necessário aprofundar a participação desta Corte nos debates sobre as alterações legislativas que buscam solucionar a inconveniência da baixa efetividade nas execuções trabalhista e fiscal; assim como de atenuação do congestionamento de causas nos Tribunais.
Concorda com a exigência do passaporte da vacina pelos empregadores e com a demissão por justa causa em caso de recusa do funcionário em apresentar o comprovante de imunização?
A discussão sobre os desdobramentos da vacinação nas relações de trabalho é nova no meio jurídico, estando em curso no Supremo Tribunal Federal o julgamento da validade da portaria do Poder Executivo que impede a dispensa por justa causa de empregado que optou por não se vacinar. É preciso ter em mente que, além de reprovável a atitude da recusa da vacinação, diante dos excelentes resultados obtidos nos estudos científicos produzidos no mundo, as empresas são obrigadas a adotarem medidas de segurança de saúde por força de lei. Assim, regras que incentivem e estimulem a vacinação devem ser prestigiadas em prol da coletividade.
Com a pandemia, o teletrabalho chegou em velocidade muito maior do que a formação de entendimentos pelos tribunais de questões que envolvem essa nova modalidade. Como o Sr. vai tratar do tema e como fiscalizar, à distância, o cumprimento das regras trabalhistas?
A necessidade de isolamento social criada na pandemia potencializou a utilização da tecnologia e a prestação de serviços de forma remota, via teletrabalho. Tal forma de trabalho afetou todas as áreas da sociedade, inclusive o Poder Judiciário Trabalhista que, ainda que de forma majoritariamente remota, conseguiu assegurar a prestação jurisdicional durante a pandemia. Não há dúvidas, assim, que, dentro do seu papel pacificador dos conflitos oriundos das relações de trabalho, os órgãos da Justiça do Trabalho irão examinar as ações sob o prisma de tais transformações.
No primeiro ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro criticou o que chamou de um “excesso de proteção” ao trabalhador e chegou a dizer que estudava um projeto para extinguir a Justiça do Trabalho. O senhor teme que o presidente recoloque o tema na pauta política?
Não, eu espero que o presidente já tenha percebido ser equivocada qualquer ideia de absorção da Justiça Especializada do Trabalho pela Justiça Comum. Tal ação não implicaria em uma redução dos custos e em uma melhora da entrega da prestação jurisdicional. Ao contrário, causaria um congestionamento de demandas, sem perder de vista que a existência da Justiça do Trabalho parte do pressuposto que o Direito do trabalho possui princípios jurídicos próprios que o distinguem dos demais ramos do Direito examinados pela Justiça Comum.
Sentaria à mesa com um presidente não vacinado?
Sim, devemos sempre estar abertos ao diálogo. Encontraria ou sentaria com o presidente usando máscara e mantendo o distanciamento recomendado, tal como as autoridades sanitárias orientam.