18/08/2022 - 9:22
Os agentes do ‘Federal Bureau of Investigation’ (FBI, a polícia federal dos Estados Unidos) estão acostumados com as críticas, mas nunca na história da agência enfrentaram algo como os ataques dos conservadores após a operação de busca na residência do ex-presidente Donald Trump na Flórida, na semana passada.
Em mais de 100 anos de história, o FBI já foi odiado por sulistas racistas e segregacionistas, por defensores das liberdades civis e especialmente por afro-americanos cujo movimento de libertação dos anos 1960 foi tratado como uma grave ameaça nacional pela agência.
Mas as ameaças da semana passada têm origem em sua base política: os conservadores republicanos.
“É o mundo virado de cabeça para baixo”, disse Kenneth O’Reilly, historiador aposentado da Universidade do Alasca, que escreveu livros sobre o FBI e a política.
De acordo com ele, o FBI é historicamente uma “instituição profundamente conservadora”, com apoio bipartidário em Washington.
Mas desde que Trump chamou a instituição de corrupta e fascista após a operação em sua propriedade de Mar-a-Lago, em 8 de agosto, para procurar por documentos secretos retidos ilegalmente pelo ex-presidente, os ataques não dão trégua.
A presidente do Comitê Nacional Republicano, Ronna McDaniel, acusou o FBI de “abuso de poder”.
O senador Marco Rubio, republicano da Flórida, comparou a agência à polícia secreta de uma ditadura marxista, enquanto o representante Paul Gosar declarou: “Temos que destruir o FBI”.
Na internet, e inclusive na rede social criada por Trump, Truth Social, as ameaças foram ainda mais violentas e se tornaram reais.
Em 11 de agosto, um homem armado de 42 anos atacou a unidade do FBI em Cincinnati depois de escrever em algumas contas de redes sociais que as pessoas deveriam “responder com força” à operação contra Trump e “matar o FBI”.
Ele não conseguiu entrar no escritório na cidade de Ohio e foi morto por um tiro de um policial.
Um dia depois, um homem de 46 anos foi detido na Pensilvânia por ameaças similares.
“Se você trabalha para o FBI, então você merece morrer”, escreveu nas redes sociais.
– Crítica, mas sem violência –
O FBI, mitificado durante muito tempo no cinema e na televisão – incluindo as histórias sobre os ‘G-men’ na década de 1930 e o poderoso e inescrutável J. Edgar Hoover –, recebe críticas recorrentes de todos os lados, disse O’Reilly à AFP.
“Entre os racistas do sul no início dos anos 1960, houve uma grande reação contra o FBI, que foi tratado como a Gestapo por investigar os linchamentos de afro-americanos”.
O pior período, disse O’Reilly, também aconteceu na década de 1960, quando o FBI espionou e trabalhou para minar o movimento pelos direitos civis, difamando Martin Luther King Jr. e alimentando a violência entre grupos rivais para desacreditá-los.
Mas as reações na época foram de indignação e disputa jurídica, o que levou a uma ampla investigação no Congresso, que expôs os abusos cometidos, afirma o homem que documentou a guerra do FBI contra o movimento nacionalista negro.
“Não havia violência direcionada contra contra os agentes do FBI”.
– Apoio popular até o momento –
Em 1995, as ações do FBI desencadearam um ataque violento. Extremistas contrários ao governo detonaram uma bomba em um prédio federal em Oklahoma City que incluía a sede regional do FBI, um atentado que matou 168 pessoas.
A reação dos extremistas foi motivada em parte pela má gestão do FBI de duas tomadas de reféns em 1992 e 1993, que terminaram com várias mortes.
Apesar da crise, o FBI conseguiu manter, de maneira geral, um forte apoio político e popular.
A atual onda anti-FBI tem sua origem na longa batalha de Trump com a agência e, em particular, as investigações da polícia federal sobre centenas de simpatizantes do ex-presidente que invadiram o Capitólio de maneira violenta em 6 de janeiro de 2021.
Para O’Reilly, as ameaças abertas de políticos e apoiadores de Trump são o que tornam o momento atual chocante.
“Eu acredito que a grande maioria dos agentes do FBI votou em Trump”, disse.
“Então é uma ideia sem sentido que os elementos mais conservadores do Partido Republicano vejam o FBI como uma ferramenta da esquerda radical”.
– Clima de violência –
A forte resposta das autoridades judiciais dos Estados Unidos às ameaças também foi extraordinária.
Cercas foram instaladas para proteger a sede do FBI em Washington
“A violência e as ameaças contra agentes da lei, incluindo o FBI, são perigosas e deveriam preocupar profundamente todos os americanos”, advertiu o diretor da agência, Chris Way.
O Departamento de Segurança Interna alertou em um boletim especial que os agentes podem estar em perigo.
“Não me lembro de ameaças similares nos últimos anos”, disse à emissora NPR Brian O’Hare, presidente da Associação de Agentes do FBI.
“É preocupante. É inaceitável. E deveria ser condenado por todos que estão cientes”, disse. “É um clima de aceitação da violência que precisa mudar”.