20/09/2022 - 18:22
A descriminalização da maconha no Uruguai ajudou a tirar os narcotraficantes do mercado, mas uma oferta estatal insuficiente e de baixa potência nas farmácias leva a maioria dos consumidores a recorrer ao mercado negro.
Em 2013, o Uruguai fez história ao se tornar o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar a produção e o consumo de cannabis, uma medida que começou a ser aplicada há pouco mais de cinco anos.
Impulsionada pelo ex-presidente José Mujica, a medida foi apresentada como uma alternativa à fracassada “guerra contra as drogas” e significou mais de US$ 20 milhões para a economia uruguaia, que antes ficavam nas mãos dos narcotraficantes.
Também permitiu o surgimento de uma incipiente indústria exportadora de maconha, que cresce ano a ano.
Segundo dados do portal Uruguay XXI, em 2020 dobraram as exportações em relação ao ano anterior, chegando a 7,3 milhões de dólares. Em 2021, a receita foi de 8,1 milhões de dólares e no primeiro semestre de 2022, de 4,4 milhões de dólares.
No momento, as exportações se concentram em flores para uso medicinal e têm como principais destinos Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Portugal, Israel, Argentina e Brasil.
Apesar de ter sido pioneiro nessa indústria, o Uruguai ainda exporta menos do que outros concorrentes na América Latina, como Chile, que em 2020 faturou 59 milhões de dólares, Peru (US$ 40 milhões) e Colômbia (US$ 37 milhões), segundo um informe da Câmara de Comércio de Quito.
A legislação implementou três mecanismos para adquirir maconha: o autocultivo, os clubes canábicos e a compra em farmácias, todos sob regulamentação estatal e restritos a quem mora no país, embora o Parlamento esteja considerando abrir o mercado aos turistas.
“A regulamentação da cannabis foi mais eficaz do que a repressão no que se refere ao impacto no narcotráfico”, explica Mercedes Ponce de León, diretora do Cannabis Business Hub e da ExpoCannabis Uruguay.
– Variedade mais forte –
O governo planeja agora vender no fim do ano uma cannabis mais forte nas farmácias para atrair um número maior de consumidores recreativos ao mercado formal.
“Há alguns usuários que demandam um maior percentual de THC ou mais variedade e isso conspira contra a eficácia do sistema porque determina que alguns usuários que poderiam comprar em farmácias busquem outras opções do mercado regulado ou no mercado negro”, assegura Daniel Radío, secretário-geral da Junta Nacional de Drogas.
Apenas 27% das pessoas que compram cannabis o fazem de forma legal, segundo um estudo publicado pelo IRCCA (Instituto de Regulação e Controle de Cannabis), que compila os dados anuais de 2021.
Este percentual corresponde às pessoas registradas em alguma das três opções do mercado regulado.
O percentual chega a 39% se for levado em conta que alguns compradores compartilham o produto com amigos e conhecidos.
– Poucas farmácias –
Joaquín, nome fictício de um consumidor de cannabis que compra no mercado negro, explica que “muitas vezes é muito difícil conseguir maconha sem marcar hora para retirar na farmácia”. “O mercado negro é simplesmente ter um contato, falar com ele e no dia, ou no dia seguinte, marcar e comprar”.
Além disso, as farmácias habilitadas são poucas em relação à população total e persistem as dificuldades de acesso ao sistema financeiro devido às legislações internacionais.
O problema dos dados também afeta os consumidores. Para se ter acesso às três vias de compra legal, é preciso se registrar, uma medida que alguns preferem evitar, embora esta informação seja usada exclusivamente para o estudo do consumo.
No caso dos clubes, há um número limitado de sócios (entre 15 e 45), e existe, inclusive, uma lista de espera para entrar.
“Pulla”, apelido do tesoureiro e encarregado técnico de um clube canábico de Montevidéu, explica que a lista de espera “é um indício de que a demanda não está atendida. Há muito mais gente querendo acessar o mercado legal que ainda não consegue”.
A norma também estabelece que a coleta de cada membro não pode passar das 40 gramas mensais e, em muitos casos, também há um mínimo.
– Autocultivo clandestino –
Da mesma forma que o consumo foi sendo normalizado, a percepção do mercado ilegal também mudou. Os especialistas indicam que os principais abastecedores do mercado sejam os cultivadores locais.
Agus, nome fictício de uma consumidora de 28 anos, explica que se registrou para comprar cannabis em farmácias, mas agora adquire o entorpecente no mercado negro ao mesmo tempo em que cultiva suas próprias plantas, sem estar registrada.
“Eu não vejo como mercado negro. Entendo que é próximo, tem preços bons para o que vende e não parece que a gente esteja recorrendo ao narcotráfico”, diz. Tem “um amigo ou conhecido que te passa o contato de alguém que tem flores e as vende”.
Segundo Marcos Baudean, professor da Universidade ORT do Uruguai e pesquisador do projeto Monitor Cannabis, “há muito mais cultivadores domésticos que não constam dos registros”, e por isso não é possível fazer uma estimativa concreta da abrangência do mercado negro.
Apesar disso, o professor assegura que os cultivadores não registrados “já ultrapassaram” as redes de tráfico na venda de cannabis. Apesar disso, os traficantes continuam presentes no Uruguai, principalmente vendendo o que chamam de ‘paraguayos’, prensados de maconha mais baratos.