22/10/2023 - 11:00
Paul Lane usa a boca, a bochecha e o queixo para apertar botões e guiar seu carro virtual pela pista de corrida “Gran Turismo” no console PlayStation 5. É assim que ele joga há 23 anos, depois que um acidente de carro o deixou incapacitado para usar os dedos.
Jogar videogame é um desafio para pessoas portadoras de deficiência há muito tempo, principalmente porque os controles padrão de consoles como PlayStation, Xbox ou Nintendo podem ser difíceis de manusear, ou até impossíveis, para pessoas com limitações de mobilidade. Perder a capacidade de jogar não é apenas perder um dos passatempos favoritos, podem também agravar o isolamento social em uma comunidade que já o vivencia em uma taxa muito mais elevada do que a da população em geral.
Dentre as iniciativas da indústria de jogos para lidar com esse problema, a Sony desenvolveu o controle Access para o PlayStation, com a colaboração de Lane e outros consultores de acessibilidade. É a novidade mais recente no mercado dos controles acessíveis, para o qual contribuem desde a Microsoft e algumas startups, até amadores com impressoras 3D.
“Eu gostava muito de esportes antes da lesão”, conta Cesar Flores, de 30 anos, que usa cadeira de rodas desde que sofreu um acidente de carro oito anos atrás, e também deu consultoria para a Sony sobre o novo controle. “Eu lutava no ensino médio, jogava futebol. Levantava muito peso, todas essas coisas. E embora eu ainda possa treinar de algumas formas, existem coisas físicas que eu não posso mais fazer. Quando jogo videogame, isso me lembra que ainda sou humano. Isso me lembra que ainda sou um dos caras.”
Deixando o controle tradicional de lado, Lane, de 52 anos, troca para o Access. É um dispositivo redondo e customizável, que pode ficar sobre uma mesa ou uma bandeja de cadeira de rodas e ser configurado de inúmeras formas, dependendo das necessidades do usuário. Isso inclui trocar botões e alavancas, programar controles especiais e emparelhar dois controles para serem usados como um só. O carro “Gran Turismo” de Lane corre por uma pista digital enquanto ele o guia com as costas da mão no controle.
“Eu jogo de uma forma meio estranha, então é confortável para mim poder usar as duas mãos quando jogo”, diz. “Para isso, eu preciso posicionar os controles a uma distância tal que eu consiga usá-los sem ficarem esbarrando um no outro. Conseguir manusear os controles tem sido incrível, mas também o fato de que esse controle já sai da caixa pronto para funcionar.”
Lane e outros jogadores colaboram com a Sony desde 2018 para ajudar a projetar o controle Access. A ideia era criar algo que pudesse ser configurado e funcionar para pessoas com uma vasta gama de necessidades, não apenas uma deficiência específica.
“Mostre para mim uma pessoa com esclerose múltipla e eu mostro uma pessoa que tem deficiência auditiva, ou alguém que tem uma deficiência visual ou motora”, diz Mark Barlet, fundador e diretor-executivo da organização sem fins lucrativos AbleGamers. “Por isso, pensar no rótulo da deficiência não é a melhor abordagem. A ideia é pensar na experiência de que os jogadores precisam para fazer a ponte entre um jogo e um controle que não foi projetado para sua apresentação única no mundo.”
Barlet diz que sua organização, que ajudou Sony e Microsoft a criarem controles acessíveis, vem defendendo os interesses dos jogadores com deficiência há quase duas décadas. Com o advento das redes sociais, os próprios jogadores puderam amplificar a mensagem e se dirigir diretamente aos criadores em fóruns que não existiam antes.
“Nos últimos cinco anos, vi o movimento pela acessibilidade dos jogos deixar de ser feito apenas por estúdios independentes trabalhando em alguns recursos e chegar a jogos AAA que podem ser jogados por pessoas consideradas cegas”, conta. “Em cinco anos, foi de tirar o fôlego.”
A Microsoft disse em um comunicado que se sentiu encorajada pela reação positiva ao controle Xbox Adaptive quando foi lançado em 2018, e que é “animador ver outros participantes da indústria adotarem uma abordagem semelhante para incluir mais jogadores em seu trabalho com foco em acessibilidade”.
O controle Access estará a venda mundialmente a partir de 6 de dezembro, e custará 90 dólares (450 reais) nos EUA.
Alvin Daniel, um gerente técnico sênior de programa do PlayStation, diz que o dispositivo foi projetado com três princípios em mente para torná-lo “amplamente adequado” ao máximo de jogadores possível. Primeiro, o jogador não precisa segurar o controle para usá-lo. Ele pode ser colocado sobre uma mesa ou bandeja de cadeira de rodas, ou pode ser montado em um tripé, por exemplo. Era importante que ele se encaixasse em uma bandeja de cadeira de rodas, pois quando alguma coisa cai da bandeja, pode ser impossível que o jogador pegue de volta sem ajuda. Também precisa ser resistente, pelo mesmo motivo – para sobreviver a ser atropelado por uma cadeira de rodas, por exemplo.
Segundo, é muito mais fácil apertar os botões do que em um controle padrão. É um kit, que vem com capas de botão em diferentes tamanhos, formatos e texturas, para que as pessoas possam experimentar as formas de reconfigurá-lo da maneira que funcione melhor para elas. O terceiro são as alavancas, que também podem ser configuradas dependendo da funcionalidade para a pessoa que está usando.
Como pode ser usado com bem menos agilidade e força do que o controle de PlayStation padrão, o Access também pode ser um divisor de águas para uma população em crescimento: jogadores idosos que sofrem de artrite e outras doenças limitantes.
“Da última vez que verifiquei, a idade média dos jogadores estava na casa dos quarenta”, conta Daniel. “E tenho total expectativa, falando por mim, de que eles vão querer continuar a jogar, assim como eu vou querer continuar a jogar, porque é uma diversão para nós”.
Depois do acidente, Lane parou de jogar por sete anos. Para quem começou a jogar videogame ainda criança, usando o Magnavox Odyssey, lançado em 1972, ele diz que “ficou um vazio” em sua vida.
Começar de novo, mesmo com as limitações de um controle de jogo padrão, foi como reencontrar um “amigo perdido há muito tempo”.
“O simples impacto social dos jogos mudou a minha vida. Passei a ter uma disposição melhor”, conta Lane. Ele observa que o isolamento social muitas vezes acontece quando as pessoas que antes eram fisicamente capazes ficam incapacitadas.
“Tudo muda”, diz. “E quanto mais tiram de nós, mais isolados nos tornamos. Jogar e ter a oportunidade de fazer isso em níveis muito altos, poder fazer isso de novo, é como um reencontro, (como perder) um companheiro próximo e poder se reunir novamente com essa pessoa.”