A possível vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos tende a elevar ainda mais a pressão de alta para o dólar no Brasil, conforme analistas ouvidos pela Reuters, em um movimento que já começou a ser antecipado nos últimos dias, com a moeda norte-americana superando os 5,70 reais.

Em outubro Trump tem aumentado seu favoritismo sobre a democrata Kamala Harris em mercados de apostas e liderado pesquisas em estados-chave da disputa, ainda que por margens estreitas. Neste cenário, desde a semana passada o dólar tem subido ante boa parte das divisas de países emergentes, incluindo o real. Após fechar setembro em 5,4491 reais, o dólar à vista chegou a ser cotado a 5,73 reais nesta semana.

Embora o “fator Trump” não seja o único elemento a sustentar o dólar ante o real, analistas afirmam que é de se esperar um aumento da pressão caso a vitória do republicano seja confirmada na eleição de 5 de novembro.

“Temos visto esta pressão altista na taxa de câmbio quando a possibilidade de Trump vencer tem mais destaque. Muito disso se deve à proposta de sobretaxa de importação de parceiros dos EUA”, afirmou Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da StoneX.

Trump já anunciou que planeja impor tarifas superiores a 60% sobre os produtos chineses e de 10% a 20% sobre as mercadorias importadas de outros países. Na semana passada, ameaçou aplicar sobre os produtos chineses taxas de 150% a 200% caso a China avance contra Taiwan.

“Isso é negativo para a exportação brasileira, porque os EUA são o segundo maior parceiro comercial do país”, lembrou Mattos. Se exportar menos para os EUA, o Brasil também receberá menos dólares, o que tende a elevar as cotações da moeda ante o real.

Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) mostram que o Brasil exportou 36,916 bilhões de dólares em mercadorias para os EUA em 2023, o que correspondeu a 10,9% do total geral exportado. Para a China — principal parceiro comercial — as exportações somaram 104,325 bilhões de dólares, ou 30,7% das vendas.

Mais do que o aumento para até 20% das alíquotas de importações em geral, a elevação para 60% das taxas chinesas tende a piorar as condições econômicas globais, afirma Mauro Schneider, economista da MCM Consultores Associados.

“Vale lembrar que a China tem crescido em ritmo menor que o histórico, muito às custas do setor industrial e das exportações. Se por conta dos EUA a China encontrar barreiras, ela pode ter dificuldade para sustentar o ritmo de crescimento ainda bastante razoável, na casa dos 4%”, explica Schneider. Se crescer menos, a China também comprará menos de países como o Brasil.

Inflação

Além das consequências para o comércio global, analistas têm avaliado que a imposição de taxas maiores teria um impacto inflacionário para os EUA, com reflexos também para o Brasil.

A pressão de custos sobre os produtos também pode ser intensificada se Trump, caso eleito, efetive a promessa de limitar a entrada de imigrantes nos EUA e promover deportações em massa.

“Isso traria aumento dos custos da mão de obra, o que impacta a inflação. Se isso acontecer, ou os juros param de cair antes do que se imagina nos EUA ou voltam a subir”, pontuou Schneider. “E o aumento de juros nos EUA sempre atrai capital, o que gera fortalecimento do dólar e pressão sobre moedas como o real”, acrescentou.

Desequilíbrio fiscal

Outro ponto de atenção está ligado às promessas de Trump de reduzir impostos. O ex-presidente planeja estender todos os cortes tributários que conseguiu aprovar no Congresso em 2017, isentar a Previdência Social e as receitas de gorjetas e reduzir ainda mais o imposto de renda das empresas.

As mudanças poderiam acrescentar de 3,6 trilhões a 6,6 trilhões de dólares aos déficits primários dos EUA ao longo de dez anos, mostrou reportagem da Reuters em setembro.

“Faz parte do discurso de Trump baixar imposto, e sabemos que a redução de impostos, aliada a uma rigidez de gastos, vai elevar a dívida dos EUA”, afirmou o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. “Com isso, os EUA acabarão sendo levados a subir a taxa de juros, e isso termina por valorizar o dólar e desvalorizar as moedas dos emergentes.”

Para Gesner, a vitória por si só de Trump também eleva a tensão na geopolítica global, já que o republicano é famoso por tomar decisões por impulso e por criticar organizações multilaterais, como a ONU.

Em um mundo cada vez mais tenso, com guerras no Oriente Médio e no Leste Europeu, a imprevisibilidade de Trump seria mais um fator de pressão.

“Com Trump, (o presidente da Rússia, Vladimir) Putin fica fortalecido e um acordo razoável para o Oriente Médio vira uma incógnita. Tudo isso aumenta muito a volatilidade”, avaliou Gesner.

Trump x Kamala

A pesquisa Reuters/Ipsos mais recente sobre as eleições nos EUA indicou que a vice-presidente Kamala Harris lidera com 46% das intenções de voto nacionalmente, contra 43% de Trump, com margem de erro de 2 pontos percentuais.

A vantagem, contudo, pode não ser suficiente para assegurar a vitória da democrata na eleição. Os levantamentos nacionais dão sinais importantes sobre as opiniões do eleitorado, mas são os resultados do colégio eleitoral, estado por estado, que determinam o vencedor.

Analistas projetam que a eleição norte-americana será definida por sete estados-chave: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Conforme o site 534 ligado à ABC News, que utiliza pesquisas agregadas, Trump estaria liderando em quatro deles e Kamala em três — em todos os casos, com diferenças de poucos décimos.

Pesquisa do Washington Post mostrou uma disputa acirrada entre os dois candidatos nesses sete estados.

Já o site Polymarket mostra que as apostas na vitória de Trump têm crescido, passando de cerca de 50% no início de outubro para 63% na última quarta-feira.