28/11/2024 - 11:27
O mercado reagiu com ressalvas ao pacote fiscal de R$ 71,9 bilhões, com dúvidas de como as medidas serão concretizadas, como será o trâmite junto ao Congresso e se, de fato, a estratégia irá garantir o equilíbrio das contas do governo.
+Dólar ultrapassa R$ 6 pela 1ª vez na história com reação do mercado a pacote
Segundo analistas e economistas ouvidos pelo site IstoÉ Dinheiro, o anúncio ficou aquém do esperado e, ao misturar medidas de cortes de gastos com uma reforma do Imposto de Renda, alimento ceticismo sobre o a capacidade e compromisso do governo de voltar a registrar superávit fiscal a partir de 2026.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, comenta que as medidas anunciadas são insuficientes para zerar o déficit em 2025, estimado em R$ 110 bilhões em 2025 ela casa – ou 0,9% do PIB. Ela cita um ‘impacto tímido’ pelas regras anunciadas.
“O corte estimado mostra a dificuldade política do governo em enfrentar a necessidade de revisão mais ampla dos gastos, incluindo programas sociais que tiveram crescimento acelerado e pro-cíclicos nos últimos dois anos”, diz a economista.
No lado positivo, a especialista aponta que algumas medidas vão na direção correta, mas que ainda são insuficientes, citando que a revisão do abono e a limitação do reajuste do salário mínimo vão na linha correta, assim como o uso de emendas para cumprir o piso de gastos da saúde, o que deve limitar o crescimento mais acelerado dessas despesas.
Temor de expansão fiscal
Para a analista, o anúncio de ampliação da isenção de Imposto de Renda traz mais incerteza para a trajetória fiscal em 2026, e indica que o governo deve ter nova expansão fiscal no próximo ano eleitoral.
O anúncio da Isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais foi o grande catalisador negativo para o mercado ontem, e a confirmação disso segue impactando o mercado, já que o dólar avança na manhã desta quinta, 28, batendo os R$ 6 pela primeira vez na história e caminhando para fechar em um novo recorde histórico.
O governo garante, entretanto, que a medida não terá impacto fiscal e será compensada pelo aumento da tributação de quem ganha acima de R$ 50 mil.
“O ponto de preocupação é em relação à isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que geraria uma perda de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões ao ano, o que seria compensado com o aumento de imposto para quem ganha acima de R$ 50 mil. O ponto de preocupação é como isso vai desenrolar no Congresso, porque a depender das decisões, pode afetar mais ou menos o risco fiscal do Brasil”, comenta Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research.
“O governo pode aprovar as duas medidas, tanto a de revisão de gastos como a isenção, mais a taxação, o que seria neutro. O governo poderia atacar somente as despesas, o que seria positivo, e no cenário negativo seria o Congresso apenas aprovar a isenção de Imposto de Renda sem as compensações, o que afetaria diretamente o risco fiscal”, completa.
Segundo o especialista aponta que o mercado deve aguardar por mais detalhamentos das medidas, mas que o anúncio acende ‘sinais amarelos’, já que abrem margem para uma expansão fiscal a depender das decisões do parlamento.
O economista André Perfeito sinaliza que o avanço do dólar é um indicador de que o mercado não recebeu bem o pacote.
“O mercado não viu na fala do ministro nada substancial na apresentação. Contudo o maior problema foi, na minha percepção, misturar as medidas de corte com a isenção do IR até R$ 5 mil. Isso tem gerado mais ruído que o necessário”.
Além das questões relativas ao conteúdo do pacote, especialistas também indicam que o tempo da decisão foi ruim. Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, analisa que a divulgação do pacote não veio cedo nem em bom tempo.
“A gestão demorou muito para agir no que diz respeito ao corte de gastos e, quando tomou as medidas, não as fez no momento adequado. Uma comunicação mais clara poderia ter sido fundamental. Em vez de tentar implementar a isenção do Imposto de Renda agora, o governo poderia ter focado, neste momento, apenas no ajuste das contas públicas, deixando as questões tributárias para uma fase posterior. Essa abordagem errada gera um grande nervosismo no mercado”.
‘Impacto mais significativo é no longo prazo’
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, pondera que o corte de gastos oficializado é um ponto positivo, embora ainda reste incerteza sobre algumas propostas, como mudanças no seguro-desemprego, que ficaram de fora.
“Essas medidas têm impacto mais significativo no longo prazo, e o governo enfrentará dificuldades para alcançar o limite inferior da âncora fiscal, seja este ano, em 2025 ou até 2026”.
Mercado de juros pressionado
Com um risco fiscal que não foi atenuado, o mercado também começa a revisar expectativas para os juros, especialmente considerando que o anúncio desta semana é uma nova variável a ser lidada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá na próxima semana.
Nesse contexto, o comitê poderia tomar uma decisão ainda mais austera – hawkish, como chama o mercado – e elevar a Selic em 0,75 ponto percentual (p.p.).
Esse cenário já é refletido nas negociações dos DIs, com a curva de juros abrindo. Nesta quinta, 28, por volta das 10h, os contratos, por toda a curva, subiam cerca de 1,5%, em relação ao fechamento da véspera.
” O mercado esperava medidas de austeridade para reforçar o arcabouço fiscal, mas o aumento das despesas contraria essa expectativa, pressionando juros futuros e ampliando o risco fiscal. Sem sinais claros de compensação, a volatilidade cambial deve persistir, afastando investidores, afetando custos e a confiança na economia brasileira”, Sidney Lima, Analista CNPI da Ouro Preto Investimentos.
Haddad pede ‘releitura do mercado’
O ministro disse nesta quinta, 28, que o mercado financeiro precisa fazer uma releitura do trabalho que o governo tem feito.
Segundo Haddad, os agentes não acertaram nem os termos de crescimento do País e nem o resultado primário fiscal. O ministro também disse que Lula nunca “vacilou” em atender a equipe econômica.
Por fim, declarou que ‘sairia muito frustrado’ se passasse pelo ministério sem promover uma reforma da renda.
Os principais pontos do pacote fiscal
Afora da isenção de IR, o pacote anunciado pelo ministro da Fazenda prevê mudanças como:
- Proibição da criação, ampliação e prorrogação de benefícios tributários em caso de déficit primário
- Abono salaria será assegurado para quem ganha até R$ 2.640, e se tornará permanente quando corresponder a 1,5x salário mínimo
- O reajuste do salário mínimo continuará a ser superior à inflação mas seguindo regras do arcabouço fiscal, com um limite de 2,5% ao ano acima do IPCA
- Crescimento de emendas parlamentares abaixo do limite do arcabouço fiscal
Além disso, sem entrar em detalhes, Haddad afirmou que o pacote fiscal promoverá “mais igualdade” na aposentadoria dos militares, definindo uma idade mínima para a reserva e limitação de transferência de pensões.
Como promessa e mirando os supersalários, Haddad também sinalizou que irá ‘corrigir excessos’ para garantir que os agentes públicos fiquem sujeitos ao teto constitucional – que hoje é de pouco mais de R$ 44 mil mensais.