Em uma década, bioma perdeu quase 200 mil campos de futebol de florestas maduras, mostra estudo. Vegetação é fundamental para amenizar ondas de calor, enchentes e deslizamentos de terras.Mais raras e mais ricas em biodiversidade, as florestas maduras da Mata Atlântica desaparecem em um ritmo preocupante. De 2010 a 2020, foram 1,9 mil quilômetros quadrados perdidos, o que equivale a quase 200 mil campos de futebol.

A conta aparece numa pesquisa publicada nesta quinta-feira (13/02) na revista científica Nature Sustainability, assinada por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP) e Fundação SOS Mata Atlântica.

“Os dados são alarmantes. É muito preocupante que, numa década tão recente, a gente ainda perca 1,9 mil km² da floresta que restou. Essa área faz muita falta para a Mata Atlântica”, diz à DW Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da fundação e um dos autores.

O bioma é o mais devastado do país, derrubado em grande escala desde a chegada dos colonizadores portugueses, a partir de 1500. O mapeamento do que sobrou desta vegetação começou em 1989 com base em imagens de satélite. O atlas atualizado, publicado anualmente desde 2011, aponta que restam no país 12,4% da cobertura original em bom estado de conservação.

“A área absoluta desmatada pode parecer pequena quando comparada com Amazônia ou Cerrado, mas ela só não é maior porque não sobrou quase nada de Mata Atlântica”, afirma Silvana Amaral, pesquisadora do Inpe, reforçando a importância dos sistemas de monitoramento.

Em vigor desde 2006, a chamada Lei da Mata Atlântica (11.428/06) proíbe o desmatamento dessas florestas remanescentes e estabelece que ele só será permitido em circunstâncias excepcionais para interesse social e fins públicos.

“O nosso estudo indica que todo o desmatamento registrado tem indícios de ilegalidade. Nós não conferimos caso por caso mas, por conta da existência da lei e cruzando com outros dados da literatura científica, esse problema foi detectado”, afirma Pinto.

Onde florestas maduras mais somem

Considerada a mais antiga da América do Sul, a Mata Atlântica conserva em algumas regiões brasileiras árvores centenárias. No estudo, os pesquisadores classificam como florestas maduras aquelas que, desde 1989, início do monitoramento, aparecem íntegras, com a cobertura formada pela copa das árvores bem fechada e sem sinais de degradação nas imagens de satélites.

“São florestas pouco perturbadas, que podem ter algumas décadas, ou séculos, que não foram submetidas à degradação”, explica Amaral.

Acostumada a observar a vegetação de forma remota, Amaral teve a ideia de analisar o que acontece no terreno após o corte, onde estão as maiores áreas devastadas e a quem elas pertencem.

Apesar de ter sido registrada em todos os 17 estados que abrigam Mata Atlântica, a destruição se concentrou na Bahia (26%) e Minas Gerais (34%). Juntos, eles foram responsáveis por metade de toda área de floresta madura perdida entre 2010 e 2020. Paraná (12%) e Santa Catarina (4%) vêm na sequência.

Que fim levou

Na Bahia e em Minas Gerais, as florestas cortadas viraram principalmente pastagem (36%) e silvicultura (33%). Já nos estados do Sul, Paraná e Santa Catarina, o que veio após o desmatamento foram majoritariamente culturas temporárias (41%), vegetação secundária (29%) e pastagem (21%).

“O estudo mostra que essencialmente o desmatamento ocorre para criação de pastagem, que é para criação de gado de forma mais extensiva e que gera uma renda baixa. Não faz sentido perder uma floresta tão valiosa para colocar pasto”, comenta Jean Paul Metzger, professor de Ecologia na USP e um dos autores.

Outro detalhe que a pesquisa revela é que a maior parte da perda de área florestal foi dentro de propriedades privadas (73%). O dano ambiental ocorreu principalmente em grandes fazendas (40% da área), seguidas por pequenas (32%) e médias propriedades (28%).

“É a primeira vez que um estudo qualifica o desmatamento na Mata Atlântica, aponta onde está, o tamanho, quem é o dono. Em Minas e na Bahia, onde estão as maiores áreas destruídas, vemos o avanço da fronteira agrícola, pecuária e plantio de eucalipto”, comenta Pinto.

Para Metzger, chama atenção o fato de a devastação também ter sido registrada em áreas protegidas, como unidades de uso sustentável e Terras Indígenas. “É um número pequeno (8%), mas alerta que algo de errado está acontecendo na governança, no sistema de comando e controle, ou nos incentivos econômicos para uso sustentável”, analisa.

O custo de desmatar

Quando uma floresta madura se vai, as pessoas e cidades do entorno perdem um pouco da capacidade de se adaptar às mudanças climáticas, aponta Metzger. A vegetação nativa ajuda a amenizar ilhas de calor, estabiliza o solo e evita deslizamentos, protege os mananciais e evita erosão.

“É a melhor forma de reagir, de se adaptar, é com esse capital natural que a temos. E também é a forma mais barata, além de todo o patrimônio importante para a biodiversidade”, diz o pesquisador da USP sobre a conservação no momento em que boa parte do país enfrenta uma onda de calor.

Luís Fernando Guedes Pinto afirma que o estudo pode fornecer subsídios para o país acabar de vez com o desmatamento da Mata Atlântica. “Podemos ser o primeiro lugar do mundo a alcançar o desmatamento zero numa floresta tropical, a ciência que produzimos no Brasil indica os caminhos”, argumenta.