Classificação da sigla por agência de inteligência como “extremista de direita” deu ímpeto a opositores que querem sua
dissolução. Decisão final caberia ao Judiciário, mas há divergências sobre conveniência da medida.O anúncio nesta sexta-feira (02/05) de que a agência de inteligência interna alemã classificou o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) como “comprovadamente extremista de direita” provocou repercussão no país europeu, e levou alguns políticos e especialistas a sugerirem que a sigla deveria ser banida.

O Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV) da Alemanha é a agência responsável por atribuir essa definição a organizações e partidos, mas não é ela que bane um partido – ainda que isso seja visto por muitos parlamentares como um pré-requisito para que a dissolução forçada seja considerada.

Para ser tomado como extremista pelo BfV, um grupo precisa, por exemplo, se opor à ordem básica democrática livre; agir de forma nacionalista, racista ou xenófoba ou demonstrar rejeição generalizada a minorias étnicas ou culturais; defender ou apoiar a violência para atingir objetivos políticos; ou ainda representar ideologias antissemitas ou antidemocráticas.

O BfV atribui tal rótulo como parte de um processo de investigação mais amplo. A definição de “extremista” permite ao órgão observar reuniões da AfD, grampear telefones e recrutar informantes. As descobertas podem afetar diretamente as autoridades eleitas, que podem perder seus cargos caso uma irregularidade seja encontrada. O financiamento estatal do partido também pode ser retirado.

Para o BfV, a AfD se enquadra nessa categoria pois não considera os alemães “com histórico de imigração de países muçulmanos” como membros com direitos igualitários na sociedade alemã. Também foi constatado que políticos do partido incentivam ódio contra refugiados e imigrantes.

Banimento depende do Tribunal Constitucional Federal

Já o procedimento de banimento é uma análise judicial sobre se o partido atua de forma inconstitucional. Segundo o artigo 21 da Lei Fundamental (a Constituição da Alemanha), “são inconstitucionais os partidos que, em razão de seus objetivos ou do comportamento de seus adeptos, visem minar ou abolir a ordem básica democrática livre ou pôr em risco a existência da República Federal da Alemanha”.

Nesse caso, cabe ao Tribunal Constitucional Federal decidir se um partido político pode ser dissolvido. O governo federal e as duas câmaras do Parlamento alemão podem apresentar uma petição nesse sentido e, se a Justiça aceitar analisar o pedido, um longo processo judicial tem início.

A AfD, atualmente o partido político mais forte nas pesquisas de opinião, com cerca de 26% de apoio entre os alemães, contesta a classificação e acusa seus oponentes políticos de instrumentalizarem o Judiciário contra a legenda, já que não conseguiriam fazer isso por meios democráticos.

O partido agiu de forma antidemocrática?

O chanceler federal alemão que está prestes a deixar o cargo, Olaf Scholz, foi um dos primeiros a pedir moderação após a nova classificação e se opôs contra qualquer medida apressada para banir a AfD.

A discussão entre especialistas é se a postura anti-imigração do partido, tomada pelo BfV como extremista, fere a democracia. Em seu programa partidário, a AfD vê “a ideologia do multiculturalismo como uma séria ameaça à paz social e à existência contínua da nação como uma entidade cultural”.

O partido também se tornou o centro de um escândalo após a revelação de que alguns de seus membros participaram de uma reunião secreta com nomes da extrema direita, na qual foi discutido um plano de deportação em massa de imigrantes e “cidadãos não assimilados”.

Stefan Seidler, único membro do partido SSW, que representa a minoria étnica dinamarquesa do norte da Alemanha, com assento no Bundestag (câmara baixa do Parlamento), acredita que isso seria suficiente para banir a AfD.

“Você pode reconhecer um inimigo da democracia pela maneira como ele lida com as minorias. As rachaduras nos fundamentos democráticos de nossa sociedade se tornam evidentes para as minorias logo no início. Nossa democracia precisa ser bem fortificada. Como democratas, somos obrigados a usar todas as ferramentas que temos disponíveis. Isso inclui a inspeção em Karlsruhe [onde fica a sede do Tribunal Constitucional Federal]”, disse à DW em 2024.

Analistas políticos têm opiniões diversas sobre a probabilidade de sucesso de uma tentativa de banir a sigla. Hendrik Cremer, do Instituto Alemão de Direitos Humanos em Berlim, acredita que a proibição é urgente e pode ser bem-sucedida. “Se você observar a AfD de perto, acho que terá que chegar à conclusão de que as condições para uma proibição foram atendidas”, disse ele à DW.

Azim Semizoglu, especialista em direito constitucional da Universidade de Leipzig, é mais cético. Em sua opinião, a classificação da AfD como “extremista de direita” pela agência de inteligência interna não garante automaticamente uma proibição bem-sucedida, disse ele anteriormente à DW.

Essa é apenas uma evidência entre muitas outras, argumentou Semizoglu. “Não se pode concluir que, se um partido for classificado como extremista de direita, ele também é inconstitucional no sentido da Lei Fundamental”, disse.

Para o jurista alemão Ulrich Battis, a proibição está claramente definida na lei: “O artigo 21 da Lei Fundamental prevê a possibilidade disso desde o início. É preciso dizer respeito a uma campanha ativa contra a ordem democrática livre. O objetivo do partido deve ser derrubar o sistema político.”

Dois partidos já foram banidos

Em 2017, a Justiça alemã analisou o caso do partido neonazista alemão A Pátria – quando se chamava Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD) – e decidiu que a sigla era de fato inconstitucional, mas também politicamente irrelevante. “Nas mais de cinco décadas de sua existência, o NPD não conseguiu ser permanentemente representado em um Parlamento estadual”, afirmou o Tribunal Constitucional Federal.

Além disso, os outros partidos nos parlamentos federal e estadual não estavam dispostos a formar coalizões ou mesmo a cooperar com o NPD. Apesar de hostil à ordem democrática, prevaleceu o entendimento de que sua limitada influência política não representava uma ameaça concreta ao sistema. Em 2024, o partido foi proibido de receber verbas públicas, no que foi tomado como um alerta para a AfD.

Assim como o A Pátria, até o momento a AfD tem tido dificuldade de estabelecer acordos para compor algum governo. Por outro lado, a sigla é uma força influente – além da mais forte nas pesquisas de opinião atuais, tem a segunda maior bancada do Bundestag.

Mas há precedentes para o banimento de partidos na Alemanha. O partido comunista alemão (KPD), por exemplo, foi dissolvido em 1956, embora tivesse conquistado representação no Parlamento da Alemanha Ocidental. O mesmo aconteceu com o Partido do Reich Socialista (SRP), abertamente neonazista, em 1952. No caso do KPD, a Justiça retirou seus mandatos políticos e proibiu a fundação de organizações substitutas.