21/12/2005 - 8:00
O que estamos fazendo é um crime.? A frase é de Antônio Britto Filho, presidente da Azaléia, a maior fabricante de calçados do Brasil. Há quase dois anos no cargo, substituindo o fundador da empresa, Nestor de Paula, morto em janeiro de 2004, Britto diz estar inconformado com a medida que teve de tomar: encerrar linhas de produção no Brasil e transferi-las para a China ? o atual maior concorrente da indústria calçadista nacional. ?Não tínhamos outra alternativa: ou fazíamos isso, ou perderíamos mercado de exportação. Foi inevitável?, afirma ele, que há poucas semanas anunciou a desativação da unidade de São Sebastião do Caí, no Rio Grande do Sul, com 800 empregados demitidos.
Com 18 mil funcionários, vendas em 80 países e faturamento de R$ 1 bilhão em 2005, a Azaléia não agüentou a competição com os baratos calçados chineses. Sem ter como abaixar seus custos, alugou fábricas em Dong Huan, pólo calçadista na região Sul da China, para produzir 60 mil pares de calçados. O lote, com selo ?Made in China? e etiqueta Azaléia, está chegando agora às lojas dos Estados Unidos. Outros também serão confeccionados no mesmo esquema e até grandes redes varejistas brasileiras, como Lojas Renner e C&A demonstraram interesse em comprar os sapatos e sandálias sino-brasileiros. ?O desenho e o desenvolvimento do produto continuam sendo feitos aqui. Mas a fabricação é chinesa?, explica Britto. Segundo ele, há um ano, os sapatos Azaléia eram vendidos nos Estados Unidos pelo preço médio de US$ 7,50 o par. Na mesma época, os calçados chineses custavam US$ 1 a menos. A situação piorou um ano depois, quando, devido à desvalorização do real, o valor na etiqueta dos calçados brasileiros subiu para US$ 11. ?Ou pegávamos um avião para produzir na China, ou perderíamos nosso maior comprador internacional, os Estados Unidos?, diz Britto. O executivo cita números da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados) que ilustram o tamanho da crise: os americanos compram 2 bilhões dos 14 bilhões de pares produzidos no mundo a cada ano. Desse total, os chineses fabricam 6,5 bilhões de pares. O Brasil exporta 200 milhões de pares.
?O que a Azaléia está fazendo é o que Nike, Adidas já fazem há mais de dez anos?, diz Élcio Jacometti, presidente da Abicalçados e dono de uma fábrica em Franca, no interior paulista. ?Nos anos 80, grandes empresas gaúchas como a Azaléia e a Grendene, transferiram a produção para cidades fora do Vale dos Sinos (RS), e dez anos mais tarde, para o Nordeste. Agora o destino é a China. Depois disso, não sabemos o que irá restar da empresa nacional de calçados?, analisa Jacometti. Segundo ele, já era previsível que esse fenômeno poderia acontecer. ?Há 30 anos, o Brasil fez exatamente o que a China faz hoje. Com custos baixos e mão-de-obra barata, roubou a produção de países como a Espanha e Portugal, tornando-se um grande centro internacional de produção terceirizada?.
Se o processo é realmente inevitável, o que será dos fabricantes nacionais? Jacometti acredita que o destino guarda a eles o mesmo que preparou para a indústria européia de três décadas atrás, e também aos produtores americanos – que assim como os portugueses e espanhóis perderam terreno para os brasileiros nos anos 60. ?Os grandes fabricantes viraram atacadistas. E os pequenos, fecharam?, relembra o empresário.
Há uma alternativa, entretanto, segundo especialistas no setor: investir em modernização de maquinário, design e formação de marcas. Essa, por exemplo, é a estratégia da Alpargatas. ?Nem passa pela minha cabeça produzir na China?, diz Márcio Utsch, presidente da rival São Paulo Alpargatas. ?Quem quer comprar Havaianas ou chuteiras Topper, não tem outro jeito: tem que comprar da gente. Imitação chinesa não tem a mesma qualidade, nem o mesmo apelo emocional?, diz o empresário.